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sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

O menino louco

Ao menino louco da casa ao lado
tinham-no preso. À noite ouvíamo-lo
a uivar. E eu sussurrava à minha almofada:
Obrigado, meu Deus! Ao menos eu estou livre.

O menino louco já não grita.
No entanto o grito acorda-me
nas noites negras sem estrelas.
Então não é o menino. Sou eu.

Inger Hagerup, Fra hjertets krater, 1964

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Eu sou o poema

Sou o poema que ninguém escreveu
Sou a carta que sempre se queimou.

Sou o caminho que ninguém tomou
e o som que nunca soou.

Sou a oração dos lábios mudos
Sou o filho de uma mulher não nascida,

uma corda que nenhuma mão estendeu
uma fogueira que ninguém acendeu.

Acordai-me! Redimi-me! Levantai-me já
da terra e disponha, de espírito e corpo e alma!

Mas quando rezo, só respostas incompletas.
Eu sou as coisas que não ocorrem nunca.

Inger Hagerup, Jeg gikk meg vill i skogene, 1939

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Detalhe de uma paisagem invisível de novembro

No meio do país de névoa que se chama eu
há um velho sinal de trânsito sem caminho.

Ali está assinalando com a sua carcomida flecha
até aos pântanos e quilómetros de neblina.

Em vão procuro nomes e sinais.
Nevões e chuvas tudo apagaram.

Ali esteve uma vez o caminho para que me encaminhava.
Quando desapareceu e quando me perdi?

Vou às cegas como um invisual até essa palavra
que me indicaria o caminho da minha casa.

No meio do país de névoa que se chama eu
há um sinal sem caminho que me assusta.


Inger Hagerup, Fra hjertets krater, 1964

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Zärtliche Nacht

Zärtliche Nacht                      Tender night
Es kommt die Nacht                There comes the night
da liebst du                      when you love
nicht was schön –                 what is not beautiful –
was häßlich ist.                  but ugly.
Nicht was steigt –                What doesn’t rise –
was fallen muß.                       but has to fall.
Nicht wo du helfen kannst –       When you cannot help –
wo du hilflos bist.               but when you are helpless.
Es ist eine zärtliche Nacht       It is a tender night
die Nacht da du liebst            the night when you love
was Liebe                         what love
nicht retten kann.                cannot save.

Hilde Domin, Zärtliche Nacht

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Luz da lâmpada

A lâmpada é igual,
a luz é igual.
Mas a diferença operou-se em mim.
A lâmpada é igual,
a luz é igual.
Mas já não vejo o que via.
Acendia a lâmpada uma, duas vezes
e uma, duas vezes via a imagem d'Ela.
Acendo a lâmpada uma, duas vezes
e uma, duas vezes encontro o vácuo da moldura.
Acendo a lâmpada e nada vejo do que via sempre.
Apago a lâmpada
para criar, na escuridão,
o que não posso encontrar na realidade.
Nunca mais acenderei a lâmpada
porque me quero lembrar da outra luz.


Mário-Henrique Leiria
in Obras Completas II - Poesia

domingo, 22 de setembro de 2019

Poemas de amor e desamor

O amor não existe
ou é invisível e precisa de seres

vivos como tu e eu
para se deixar ver

ou: o amor é práxis
música acanhada que nem sempre se pode ouvir


§

eu só queria te dizer

que ele chega, que ele existe
que ele chega para todos, ao menos uma única vez
que ele estava aqui na sala
enquanto as cortinas tremulavam na janela aberta
e enquanto eu procurava um lápis
e que ele desapareceu tão safo
quanto o grande amor que tivemos

ele estava aqui, e como determinado cheiro
de determinado cabelo e determinado vestido
que ficou pendurado lá fora num determinado clima bastante húmido
já não estava mais aqui
quando me sentei para escrever

§

Eis-nos aqui. É noite.
Chegamos aqui e desaparecemos de novo,
e feito os amantes nos deixamos

todos vamos nos deixar, todos
como o mundo com certeza também vai nos deixar.
Ou seja lá como é que era mesmo.

A geladeira treme amedrontada na cozinha.
As crianças dormem nas suas camas quentes. Os cérebros ardem
como as metrópoles cada qual debaixo de sua abóbada escura.


Geir Gulliksen, trad. Luciano Dutra

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Ce que je n'ai su te dire

Ce que je n'ai su te dire
Est juste là
Dans cette ombre fragile
Toujours proche
Dans ces mots vulnérables
Et quelques autres
Où frémit l'invisibilité
De ceux que je ne te dirais pas.

Solenn Emmvrique

terça-feira, 11 de junho de 2019

Things to remember

She was intelligent but inarticulate. Words betrayed her: beautiful butterflies in her mind; dead moths when she opened her mouth for their release into the world.

Glen Duncan, I, Lucifer

 

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Her Cardboard Lover

The Animal Kingdom, 1932

British Agent, 1934

It's Love I'm After, 1937

Captured!, 1933

The Petrified Forest, 1936

Secrets, 1933

British Agent, 1934
Devotion, 1931

Secrets, 1933














The Petrified Forest, 1936










































Let me tell you something, you forgetful old fool. Any woman is worth everything that any man has to give. Anguish, ecstasy, faith, jealousy, love, hatred... life or death. Don't you see that's the whole excuse for our existence?  It's what makes the whole thing possible and tolerable. 

Alan Squier (Leslie Howard), The Petrified Forest, 1936

sábado, 11 de maio de 2019

Cardboard Lover

The Petrified Forest, 1936
The First of the Few, 1942

The Petrified Forest, 1936

British Agent, 1934

The Petrified Forest, 1936

Pygmalion, 1938

The Petrified Forest, 1936

The First of the Few, 1942

Never the Twain Shall Meet, 1931

Pimpernel Smith, 1941

The Petrified Forest, 1936

A Free Soul, 1931

Of Human Bondage, 1934

Berkeley Square, 1933

Pygmalion, 1938

Of Human Bondage, 1934

The Petrified Forest, 1936



quinta-feira, 11 de abril de 2019

Look a bad thing in the eye and break the spell

Everything felt fragile and freshly come upon, but for now, at least, my depression had stepped back, giving me room to move forward. I had forgotten what it was like to be without it, and for a moment I floundered, wondering how I would recognize myself. I knew for certain it would return, sneaking up on me when I wasn’t looking, but meanwhile there were bound to be glimpses of light if only I stayed around and held fast to the long perspective. It was a chance that seemed worth taking.

Daphne Merkin, “A Journey Through Darkness,” The New York Times

segunda-feira, 11 de março de 2019

Tudo isso há de começar mais uma vez

Tudo isso há de começar mais uma vez
o livro que eu levava pra todo lado e lia
vai ser lido por outro alguém. Alguém há de aprender
a contar até dez pela primeira vez, depois até cem
e alguém há de aprender os dias da semana e assim há de saber
que a sexta-feira é o melhor e que o domingo é o pior dia da semana
porque domingo é o dia em que só fazemos esperar pela segunda-feira
e com a segunda-feira até a quinta-feira é impossível contar
se a gente trabalha o dia inteiro e fica sentada numa cadeira de noite
Porém, mesmo assim tudo isso há de começar mais uma vez:
alguém há de sentar na escadaria sob essa luz sarapintada
tentando escrever um poeminha num pedaço de papel
e alguém há de aprender a pedalar,
e alguém há de ler que o universo encontra-se em expansão
e sobre sóis que só sabem seguir explodindo
e alguém há de estudar hebraico antigo e ornitologia
e passear à noitinha com as mãos no bolso do casaco
sabendo que há de morrer, mas não já já
antes outro alguém há de se apaixonar por ele, tomara,
e depois alguém há de deixá-lo, mas não já já
pois tudo isso há de começar mais uma vez: alguém há de ler
Pablo Neruda pela primeira vez, e Osip Mandelstam
e Bertholt Brecht, alguém há de ler Wisława Szymborska
e alguém há de descobrir quantos somos nós todos que vivemos nesse mundo
e de repente há de entender que cada um de nós é um indivíduo
mesmo que não haja individualismo suficiente para todos
e mesmo que não seja verdade que todas as pessoas
têm o mesmo valor, alguém há de aprender isso e crer nisso
até que não seja mais possível seguir crendo nisso
pois isso não parece ser verdade
pois isso não parece possível de se realizar
mesmo que não seja possível crer em mais nada além do facto
de a escuridão escalar os vários andares
e de a escuridão um dia chegar aos teus pés
e de tu um dia vadear nela e de ela chegar até às tuas mãos
e gritar na escuridão e beber a escuridão, não porque tens sede
mas porque não há mais nada senão ela, e porque aquela velha
luz sarapintada que não havia era suficiente para todos
não é mesmo? mas tudo isso há de ser repetido por outro alguém
e a luz dispara sem parar cruzando a escuridão
de 300.000 quilómetros e leva menos tempo para te achar do que um gato esquelético
enquanto estás ali parado tentando achar as chaves no bolso do casaco
e tudo o que te acontece acontece creias ou não creias que seja verdade

Geir Gulliksen, trad. Luciano Dutra


When I was older

I died in a good mood

For whatever we lose 
(a you or a me) 
it’s always ourselves 
we find in the sea.

 - E.E. Cummings


Sophie Calle, I died in a good mood, 2013

Motivo Antigo

Mar claro,
tranquila água
– por meu sorriso
de mágoa.

Céu longo,
nuvem redonda
– por meu olhar
de sombra.

Caminho andado,
areia rude
– por meu rosto
de amargura.


Glória de Sant’Anna in Livro de Água, 1961

Pouco a pouco

Pouco a pouco me esqueço, e não sei nada.
Assim será a morte, e o que da morte
é sono e dor aguda que me crispa plácido
em sonhos dissolvidos sem anseio ou mágoa.

Este ficar de longe, num cansaço;
o ouvir das vozes como outrora infância;
o estar-se imóvel mais, e devagar
perder, um após outro, o gosto a um gesto

mesmo pensado nesta horizontal
que alastra entre o passado e coisa alguma.
Este não ter senão a solidão
como silêncio e treva finalmente aceites.

A vida tão vivida e desejada,
o ser como o fazer, o sexo em tudo visto,
as coisas e as palavras possuídas,
tudo se não dissolve mas se afasta
alheio e sem saudade. Nem repouso
ou calmo abjurar da fúria amarga.
Apenas não sei nada, não recordo nada,
já nada quero, e aos outros deixo tudo.

Jorge de Sena


Anatol Knotek

domingo, 3 de março de 2019

You've got to learn

Dreams

Silver Springs

Windmills of your mind

Like a circle in a spiral, like a wheel within a wheel
Never ending or beginning on an ever spinning reel
As the images unwind, like the circles that you find
In the windmills of your mind


Les moulins de mon coeur

Une pierre que l'on jette
Dans l'eau vive d'un ruisseau
Et qui laisse derrière elle
Des milliers de ronds dans l'eau
Au vent des quatre saisons
Tu fais tourner de ton nom
Tous les moulins de mon coeur


Bang Bang

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Hope is a dangerous thing for a woman like me to have - but I have it

The Caretaker



Gerrel Saunders

A si mesmo

Repousa para sempre, 
meu exausto coração. Morto é o engano extremo 
que eu supusera eterno. É morto. E sinto 
que em nós de enganos caros 
a mais da esp'rança, o desejar é extinto. 
Repousa. Já bastante 
hás palpitado. Coisa alguma vale 
o teu bater, nem de suspiros é digna 
a terra. Tédio amargo
a vida, e nada mais; e lama é o mundo.
Quieto, pois. Desespera
por uma última vez. À raça humana o fado
não deu mais que o morrer. Agora te despreza
a natureza, o brutal
poder que, oculto, contra nós impera,
e a infinda vaidade do que existe.

Giacomo Leopardi

Ghismonda com o coração de Guiscardo (detalhe), Bernardino Mei, c. 1650

The heart dies a slow death

The heart dies a slow death. Shedding each hope as leaves, until one day there are none. No hopes. Nothing remains.

Memoirs of a Geisha (2005)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Melody Noir

Quem é esta mulher, 
a sempre triste,
que vive no meu coração? 
Quis conquistá-la mas não consegui.

Adornei-a com grinaldas
e cantei em seu louvor
Por um momento
bailou o sorriso no seu rosto, 
mas logo se desvaneceu.

E disse-me cheia de pena: 
— A minha alegria não está em ti.

Comprei-lhe argolas preciosas, 
abanei-a com leques recamados de diamantes, 
deitei-a em cama de oiro 
Bateu as pálpebras 
como um relâmpago de alegria
que logo se apagou.

E disse-me cheia de pena:
— Não está nessas coisas a minha alegria.

Sentei-a num carro de triunfo, 
e passeei-a por toda a terra. 
Milhares de corações conquistados
caíram humildes a seus pés, 
e as aclamações reboaram pelo céu 
Durante um momento
brilhou o orgulho nos seus olhos, 
mas logo se desfez em lágrimas.

E disse cheia de pena:
— Não está na vitória a minha alegria.

Perguntei-lhe:
— Que queres então? 
Respondeu-me:
— Espero alguém 
que não sei como se chama. 
Depois calou-se.

E passa os dias a dizer cheia de pena:
— Quando virá o amado desconhecido?
Quando o conhecerei para sempre?

Rabindranath Tagore


Canta canta mi luna mi luna llena 
Esta melodia que es el abismo dentro de mi 
El abismo dentro de mi 
Mi luna mi luna llena

 

Dream of the Phone Booth

My story’s told in the mis-dial’s
hesitance & anonyms of crank calls,

in the wires’ electric elegy
& glass expanded by the moth

flicker of filament. I call a past
that believes I’m dead. On the concrete

here, you can see where
I stood in rust, lashed to the grid.

On the corner of Pine & Idlewood,
I’ve seen a virgin on her knees

before the angel
of a streetlight & Moses stealing the Times

to build a fire. I’ve seen the city fly
right through a memory & not break

its neck. But the street still needs a shrine,
so return my ringing heart & no one

to answer it, a traveler whose only destination is
waywardness. Forgive us

our apologies, the bees in our bells, the receiver’s
grease, days horizoned

into words. If we stand
monument to anything,

it’s that only some voices belong
to men.


Emilia Phillips


Endeavour, 2017




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