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sábado, 31 de julho de 2010

Time in a Bottle


If I could save time in a bottle
The first thing that I'd like to do
Is to save every day
Till Eternity passes away
Just to spend them with you

If I could make days last forever
If words could make wishes come true
I'd save every day like a treasure and then,
Again, I would spend them with you

But there never seems to be enough time
To do the things you want to do
Once you find them
I've looked around enough to know
That you're the one I want to go
Through time with

If I had a box just for wishes
And dreams that had never come true
The box would be empty
Except for the memory
Of how they were answered by you

But there never seems to be enough time
To do the things you want to do
Once you find them
I've looked around enough to know
That you're the one I want to go
Through time with

I Shall Not Care

When I am dead and over me bright April
Shakes out her rain-drenched hair,
Though you should lean above me broken-hearted,

I shall not care.

I shall have peace, as leafy trees are peaceful
When rain bends down the bough;
And I shall be more silent and cold-hearted
Than you are now.

Sara Teasdale

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Actor e Espectador

António Feio em O Que Diz Molero, adaptação teatral de Nuno Artur Silva


«Molero Diz», disse Austin, «que a infância do rapaz foi particularmente estranha, condicionada por questões de ambiente que fizeram dele, simultaneamente, actor e espectador do seu próprio crescimento, lá dentro e um pouco solto, preso ao que o rodeava e desviado, como se um elástico o afastasse do corpo que transportava , muitas vezes, o projectasse brutalmente contra a realidade desse mesmo corpo, e havia então esse cachoar violento do que era e a espuma do que poderia ser, a asa tenra batendo à chuva». (...)

Dinis Machado, O Que Diz Molero

terça-feira, 27 de julho de 2010

Island Blues


Koop -  island blues

O Duplo


Sugerido ou estimulado pelos espelhos, as águas e os irmãos gémeos, o conceito do Duplo é comum a muitas nações. É verosímil supor que sentenças como "Um amigo é um outro eu" de Pitágoras ou o "Conhece-te a ti mesmo" platónico se inspiraram nele. Na Alemanha chamaram-lhe o Doppelganger, na Escócia o Fetch, porque vem buscar (fetch) os homens para os levar à morte. Encontrar-se consigo mesmo é, portanto, ignominioso; a trágica balada Ticonderoga de Robert Louis Stevenson refere uma lenda sobre este tema. Recordemos também o estranho quadro How they met themselves de Rossetti.

Para os judeus, em contrapartida, o aparecimento do Duplo não era presságio de uma morte próxima. Era a certeza de ter alcançado o estado profético. Assim o explica Gershom Scholem. Uma tradição recolhida pelo Talmude narra o caso de um homem à procura de Deus, que se encontrou consigo mesmo.

No relato William Wilson de Poe, o Duplo é a consciência do herói. Este mata-o e morre. Na poesia de Yeats, o Duplo é o nosso anverso, o nosso contrário, o que nos complementa, o que não somos nem seremos.

Plutarco escreve que os Gregos deram o nome de "outro eu" ao representante de um rei. 


in O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luis Borges

sábado, 24 de julho de 2010

Esperança

George Frederick Watts, Hope, 1885


Pandora não resistiu à curiosidade, abriu a caixa e os males escaparam. Depressa a fechou mas somente se conservou um único bem, a esperança. E dali em diante, foram os homens afligidos por todos os males.

Mas como é que uma caixa contendo todos os males da humanidade também guarda a esperança? Esperança - a palavra em grego é ἐλπίς / elpís, que se define como a espera de alguma coisa; a tradução mais correcta será antecipação. 

Se Pandora não tivesse fechado rapidamente a caixa, os homens sofreriam não só dos dos males como também do conhecimento antecipado deles. A vida seria impossível com o temor perpétuo dos males por vir e com o conhecimento antecipado da hora da morte...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Animais dos Espelhos

Em qualquer tomo das Cartas Edificantes e Curiosas publicadas em Paris durante a primeira metade do século XVIII, o padre Zallinger, da Companhia de Jesus, projectou um exame das ilusões e erros do vulgo de Cantão: num censo preliminar anotou que o Peixe era um ser fugitivo e resplandecente que ninguém tinha tocado, mas que muitos diziam ter visto no fundo dos espelhos. O padre Zallinger morreu em 1736 e o trabalho iniciado pela sua pena ficou inacabado; cento e cinquenta anos depois Herbert Allen Giles retomou a tarefa interrompida. Segundo Giles, a crença do Peixe é parte de um mito mais amplo, que se refere à época lendária do Imperador Amarelo.

Naquele tempo, o mundo dos espelhos e o mundo dos homens não eram, como agora, incomunicáveis. Além disso, eram muito diferentes; não coincidiam nem os seres, nem as cores, nem as formas. Os dois reinos, o especular e o humano, viviam em paz, entrava-se e saía-se pelos espelhos. Uma noite, a gente do espelho invadiu a Terra. A sua força era grande, mas ao fim de sangrentas lutas as artes mágicas do Imperador Amarelo prevaleceram. Derrotou os invasores, encarcerou-os nos espelhos e impôs-lhes a tarefa de repetir, como numa espécie de sono, todos os actos dos homens. Privou-os da sua própria força e aspecto, e reduziu-os a meros reflexos servis. Um dia, no entanto, hão-de sacudir essa letargia mágica.

O primeiro a despertar será o Peixe. No fundo do espelho veremos uma linha muito ténue e a cor dessa linha será uma cor não parecida com nenhuma outra. Depois, hão-de despertar as outras formas. Gradualmente tornar-se-ão diferentes de nós e não nos imitarão. Romperão as barreiras de vidro ou de metal e desta vez não serão vencidas. Juntamente com as criaturas dos espelhos combaterão as criaturas da água.

No Yunnan não se fala do Peixe, mas do Tigre do Espelho. Outros entendem que antes da invasão ouviremos do fundo dos espelhos o rumor das armas.

in O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luis Borges


Jia Tian Shi, Espelho

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Eros e Thanatos

Joanna Crobak, 2009-2010


Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

Antero de Quental

domingo, 18 de julho de 2010

Book of Days


excerto de Book of Days, de Meredith Monk, 1988

Fantasma da Imagem

«Le fantasme de l'image est l'un des fantasmes majeurs de notre civilisation. Il ya a eu le cinéma, la télévision et maintenant Internet. En réalité, même si vous pouvez faire apparaître toutes les créatures de vos rêves sur l'écran de votre ordinateur, le rapport au théâtre entre une femme sur scène et un homme dans le public restera toujours infiniment plus érotique, parce que ces êtres vivent dans l'instant des émotions qui relèvent de leur vie profonde. L'image a beu dominer notre époque, elle ne remplacera jamais la réalité. Nous serons toujours à l'ère des êtres de chair et d'os, et non pas à celle des images virtuelles ou des poupées gonflables!»

Maurice Béjart , L’esprit danse / entretiens avec René Zahnd

Sem Máscara

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sheela-na-gig


PJ Harvey - Sheela-na-gig (Reading Festival 1992)

Culpabilidade

Sheela-na-gig

O que é o perdão?

Vivi na esperança
de o ter entre os dedos.
Quem diz que o alcança
só vive de enredos...

Fiz mal? Mas a quem?
Que venham contar-me
as mágoas geradas
por meu vil desdém
e as feridas mostrar-me
na carne rasgadas.

Fiz mal? Mas a quem?
Fui pedra lançada
no vosso caminho?
Barrei-vos a estrada
com traves de pinho?

Só sei que
há vozes gritando
a culpa que sinto
pesar-me na alma,
há ecos cavando
a dor que pressinto
em noites de calma...

Só sei que
suspensos enredos
da minha agonia,
urdida ao serão
em grande segredo,
tornaram vazia
a minha intuição.

Fiz mal? Sim ou não?
Onde e quando?
Dizei-mo, dizei-mo!

Eu sou como a rocha
virada prò norte,
que acolhe a rajada
em concha bem forte
e a atira prò nada...

Fiz mal? Sim ou não?
Até os duendes,
escondidos e aduncos,
me negam razão.

O que é que vós tendes?
Tremeis como os juncos
nas bordas do rio.
Escondeis-vos de mim,
do meu poderio?

Do meu poderio!
Ah! Ah! Ah!
Tesouros saídos
de cofre guardado
em cave nojenta,
demónios roídos
de querer aturado
em bolsa sangrenta?

Fiz mal? Mas a quem?
Àqueles que ainda
não viram a luz
das coisas imundas?
De ideias fecundas
fiz braços em cruz?

A treva gerada
em dúvida vã
que cobre a minha alma
andou apressada;
a todos levou
a ânsia e a calma
em Deus embarcou?

Fiz mal? Como e onde?
E quando? E quando?


Isabel Gouveia, in "Os Sete Dias Passados"

Perder

Perder é começar. A minha vida
foi movimento em cerne opaco e frígido...
E quando sei que este momento eterno
em mim percorre sulcos, veias, sonhos,
outro momento abraça-me o porvir —
e desconheço a margem onde navegar,
onde aportar o peso do caminho.

Perder é começar. Por isso a ténue sombra
desenha no sigilo os abismais instantes
onde existiu, uma vez, qualquer destino exacto.


António Salvado, in "Na Margem das Horas"

Ouvindo...


Nina Simone - Feeling Good

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Nachtlicht

Georges de La Tour, Magdalena mit dem nachtlicht, c.1630/35

Grito


Silent Scream - Baraka, de Ron Fricke, 1992

Morrer de Amor

Lancelot and the Witch, Ilustração de Aubrey Beardsley, c.1870


Hellawes era uma feiticeira que amava à distância o nobre guerreiro Sir Lancelot, por quem se apaixonara profundamente há sete anos. Acabou por conseguir atraí-lo à sua Capela dos Perigos onde tentou por todos os meios que conhecia inspirar-lhe o amor por ela.

Mas não lhe servia de nada porque o cavaleiro constante e leal amava apenas uma mulher, a rainha de Artur, a bela Guinevere, e viera à capela com uma única missão em mente, a de buscar talismãs medicinais para o cavaleiro ferido Sir Meliot.

Quando Lancelot partiu com os talismãs, não estava minimamente afectado pelo amor de Hellawes nem pela sua magia. A feiticeira compreendeu enfim que ele jamais a havia de amar e morreu de desgosto amoroso.

O menino dos pés frios

de MATILDE ROSA ARAÚJO

Era uma vez uma casa. Muito grande. Com um tecto altíssimo, nem sempre azul. Uma casa enorme onde habitava uma grande família: uma família tão grande que, por vezes, não julgavam os seus membros que se conheciam. E se deviam amar.

Houve um menino que entrou nesta casa estava ela toda branca. No chão tapetes de neve, cristais de água de uma brancura que estremecia. E as próprias árvores escorriam essa brancura. E frio. Iluminava-a uma estrela tão brilhante que, sobre o tecto, parecia que poisava sobre as nossas mãos.

Ora um dia, em que fazia anos em que esse menino entrara nessa casa, outro menino por ela andava com frio. Pelo chão, pelos milhões de cristais, caminhavam os seus pezitos enregelados. Tanto frio que nem podia olhar a estrela brilhante. Nem os milhões de cristais que pisava.

Uma mulher chorava a um canto dessa casa. E era triste essa mulher. Estava triste e cansada. Na casa nem tudo era belo. Ali estava aquele menino cheio de frio. E, como ele, tantos meninos.

E, já há quase dois mil anos, um menino entrara na asa, que ficou mais clara com a luz brilhante do tecto. O menino entrou só para dizer uma palavra pequenina: AMOR.

Então essa mulher perguntou ao menino dos pés frios:

– Tu não tens a tua casa?

O menino olhou a mulher triste e ficou triste. Ambos estavam tristes. E disse quase envergonhado que não.

– Tu não tens roupa? Sapatos? Um lume? Pão?

A cabeça (tão linda!) do menino ia abanando sempre a dizer não. A mulher triste começou a ter vergonha.
Então ela consentia que na sua casa, na casa de todos, de tecto nem sempre azul, houvesse um menino sem roupa, sem lume, sem pão? Ela consentia uma coisa assim? E os outros também?

Escorregaram-lhe pela face já enrugada duas lágrimas transparentes. De água. Água como a que tombava do tecto, como a que se estendia nos mares.

E perguntou mais ao menino:

– E para onde vais? Eu dou-te qualquer coisa para o caminho...

O menino olhou para ela admirado. Não lhe disse para onde ia. Observou-lhe apenas:

– Tens duas gotas de água nos teus olhos que reflectem o céu azul e a lâmpada do tecto. Não sentes?

A mulher deixou cair pelo rosto enrugado as duas lágrimas. A pele, então, ficou-lhe mais lisa. E ela tornou-se menos curva. Ergueu-se. Estendeu, sorrindo, os dois braços ao menino. E disse:

– Fica. Perdoa.

E o menino ficou. Nos seus braços. Encostado ao seu peito. Com os pés aquecidos sobre o campo de neve.

E a mulher entendeu que não adiantava chorar ao canto da casa. E o seu vestido era uma bandeira. E o seu coração uma flor. Com o menino a seu lado.

domingo, 4 de julho de 2010

Evening Solace

Evening Solace

by Charlotte Bronte

The Human heart has hidden treasures,
In secret kept, in silence sealed,
The thoughts, the hopes, the dreams, the pleasures,
Whose charms were broken if revealed.
And days may pass in gay confusion,
And nights in rosy riot fly,
While, lost in Fame's or Wealth's illusion,
The memory of the Past may die.


Nouvelle Vague - In a Manner of Speaking

sábado, 3 de julho de 2010

Spellbound

The night is darkening round me,
The wild winds coldly blow;
But a tyrant spell has bound me
And I cannot, cannot go.

The giant trees are bending
Their bare boughs weighed with snow.
And the storm is fast descending,
And yet I cannot go.

Clouds beyond clouds above me,
Wastes beyond wastes below;
But nothing dear can move me;
I will not, cannot go.

Emily Jane Bronte



The Innocents, de Jack Clayton, 1961

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O amor quando se revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar.

Fernando Pessoa


Enrico Caruso - Una Furtiva Lagrima (O Elixir do Amor, de Donizetti)
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