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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Variações sobre "O Poema Pouco Original do Medo" de Alexandre O'Neill

Os ratos invadiram a cidade
povoaram as casas os ratos roeram
o coração das gentes.
Cada homem traz um rato na alma.
Na rua os ratos roeram a vida.
É proibido não ser rato.

Canto na toca. E sou um homem.
Os ratos não tiveram tempo de roer-me
os ratos não podem roer um homem
que grita não aos ratos.
Encho a toca de sol.
(Cá fora os ratos roeram o sol).
Encho a toca de luar.
(Cá fora os ratos roeram a lua).
Encho a toca de amor.
(Cá fora os ratos roeram o amor).

Na toca que já foi dos ratos cantam
os homens que não chiam. E cantando
a toca enche-se de sol.
(O pouco sol que os ratos não roeram).

Manuel Alegre, Obra Poética

Metropolis, de Fritz Lang, 1927

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Move on

“It is always the way of events in this life…no sooner have you got settled in a pleasant resting-place, than a voice calls out to you to rise and move on, for the hour of repose is expired."

Jane Eyre, de Charlotte Bronte

domingo, 22 de abril de 2012

Intermédio

Alguém que se ignora
Passeia a sua mágoa
Lá pela noite fora.

Já sem saber se existe,
Entre silêncio e treva,
Nem alegre nem triste,
Alguém que a própria sorte
Enjeita, vai absorto
Num sonho que é a morte
E é vida - sendo morto.

Luís Amaro


sexta-feira, 13 de abril de 2012

Ri...

Ri..., ri de ti para os outros,
Ri dos outros para ti,
Ri de ti para ti... ri!,
Ri dos outros para os outros...,
Ri, arre!, ri, irra!, ri!

José Régio

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Out of the blue into the black

Peter Maurer

Don’t grieve for what doesn’t come.
Some things that don’t happen
keep disasters from happening.

Rumi, The Book of Love, trad. Coleman Barks


terça-feira, 10 de abril de 2012

Infatuation

Yes, I was infatuated with you - I am still. I cut you out because I couldn’t stand being a passing fancy.

Sylvia Plath



terça-feira, 3 de abril de 2012

Morte ao Meio-Dia

Enzo Penna

No meus país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o sol consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente tem saúde e assistência cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meus paí não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

O português paga calado cada prestação
Para banhos de sol nem casa se precisa
E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
e o colégio do ódio é a patriótica organização

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e o povo em vão requer
curvado o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer.

Ruy Belo


Usual Happiness - Kroke
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