Páginas

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Julia Dream

É fácil de encontrar o paraíso:
mesmo em novembro, quando a luz é breve
e o sol adormece nos telhados,
há um jardim onde os meus passos voam
e cada sonho volta a ser igual
ao secreto sentido que estremece
entre as asas das aves, tão velozes
como o vento que leva as nossas vidas. 


Fernando Pinto do Amaral

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

You have no idea

You have no idea 
of what I feel about
you
Of how much I 
I care about you
Of how much I think
you're amazing and beautiful
Of what I think 
we could become
Of how much you make me
happy and sad at the same time
Of how much you make me feel
so alive
Of the butterfly riot that takes place in my stomach
when you talk to me
Of how much you make me
scared
Of how much
you can hurt me

You have no idea.



quarta-feira, 22 de novembro de 2017

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam

e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny


Vivre sa vie, 1962

terça-feira, 21 de novembro de 2017

domingo, 19 de novembro de 2017

Pelos passos na areia molhada...

Pelos passos na areia molhada ao fim do dia poder-se-ia pensar 
que estou aqui, presente, mas parti por entre brisas fugidias 
e estou junto às asas do anjo no azul assustador do mar, 
do céu e das sombras; e o peso triste da carne parece-se com o espelho 
quebrado dos gestos e das horas, a imagem da presença dos corpos, 
uma mão, uma pálpebra, o desenho da pele e a voz escutada do tempo; 
o ar do dia dilui-me com frequência no fumo dos limites 
e entre duas vagas algodoadas, se parece que sou real, vereis, 
entrelaçar-se na tristeza o olho do desejo e o da morte, 
e eu estou algures entre dois azuis gémeos que vêm apagar a noite.

Seja como for o leve vento de neve voltará de certeza 
êxito estranho do avesso dos dias; um anjo pousou 
a mão na mesa, à beira-mar, e a cortina 
dança entre o azul e o branco, encantamento do ar, 
e seja como for as mãos nuas das horas alisadas 
não dizem quase nada, levadas pelo anjo triste de cabelos 
de ouro, e sopro de pássaros; pousada, a mão parece-se 
com a sombra do mar porque ainda aí vivem homens, asas cortadas, 
no côncavo da palma do deus grego, a gota de orvalho 
que o caminho cego dos dias nos deixou para estancar a sede.

Joan-Ives Casanova


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

As flores que devoram mel


As flores que devoram mel
ficam negras em frente dos espelhos.
Os animais que devoram estrelas em frente dos espelhos
ficam brancos por detrás dos pêlos
ou das plumas da idade.
As pedras por onde circula a água
ficam vivas de tanto cantar e, quando se voltam,
atingem a sua maior velocidade interior.
Se vêm às portas ver quem bate,
os lençóis cobrem-se de respiradoras —
quando regressam ao sono, deixam as mãos abertas.
Se é uma estátua que bate,
corre-lhe o sangue pela boca, e sobre os ombros
torcem-se os cabelos,
e as asas tremem em frente da porta.
Se é um retrato,
sorri sufocado pela noite adiante.
Os espelhos são negros como os jacintos
da loucura.
Os crimes que olham para o espelho têm uma vibração
silenciosa.
Se é uma criança, diz:
eu cá sou cor-de-laranja.
Porém às vezes é bom ser branco,
é bom estar deitado.
O mel faz bem às pedras,
atrai os olhos dos anjos.
Quem aplaina tábuas
acumula uma obscura sabedoria.
Olha para os espelhos,
tens um talento assimétrico de assassino.
Vê-se nos teus ramos frutos negros
contra a paisagem móvel.
Se fosses um peixe,
a porta estaria nas águas mais íntimas, frias, límpidas
e caladas.
E não batias — cantavas a tua síncope
terrível.
Nada se veria na vertente do espelho.
Serias como uma máquina cor de cal
respirando.
Por isso te ofereço este ramo de lâminas
e um fato de perfil — e andas nos labirintos.
Por isso te sento numa cadeira de ar.
Por isso somos os dois um quadrúpede de seda
de uma beleza truculenta.
Temos toda a vigília para encher de silêncios.
Pensamos os dois o mesmo corpo inaugurado.
As flores que devoram mel tornam negros
os espelhos.
As colinas vão olhando, e tremem na nossa carne
as estampas de ouro
extenuante.
Por isso, por isso, por isso —
somos assim
obscuros.

Herberto Helder

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...