Pelos passos na areia molhada ao fim do dia poder-se-ia pensar
que estou aqui, presente, mas parti por entre brisas fugidias
e estou junto às asas do anjo no azul assustador do mar,
do céu e das sombras; e o peso triste da carne parece-se com o espelho
quebrado dos gestos e das horas, a imagem da presença dos corpos,
uma mão, uma pálpebra, o desenho da pele e a voz escutada do tempo;
o ar do dia dilui-me com frequência no fumo dos limites
e entre duas vagas algodoadas, se parece que sou real, vereis,
entrelaçar-se na tristeza o olho do desejo e o da morte,
e eu estou algures entre dois azuis gémeos que vêm apagar a noite.
Seja como for o leve vento de neve voltará de certeza
êxito estranho do avesso dos dias; um anjo pousou
a mão na mesa, à beira-mar, e a cortina
dança entre o azul e o branco, encantamento do ar,
e seja como for as mãos nuas das horas alisadas
não dizem quase nada, levadas pelo anjo triste de cabelos
de ouro, e sopro de pássaros; pousada, a mão parece-se
com a sombra do mar porque ainda aí vivem homens, asas cortadas,
no côncavo da palma do deus grego, a gota de orvalho
que o caminho cego dos dias nos deixou para estancar a sede.
Joan-Ives Casanova