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domingo, 19 de novembro de 2017

Pelos passos na areia molhada...

Pelos passos na areia molhada ao fim do dia poder-se-ia pensar 
que estou aqui, presente, mas parti por entre brisas fugidias 
e estou junto às asas do anjo no azul assustador do mar, 
do céu e das sombras; e o peso triste da carne parece-se com o espelho 
quebrado dos gestos e das horas, a imagem da presença dos corpos, 
uma mão, uma pálpebra, o desenho da pele e a voz escutada do tempo; 
o ar do dia dilui-me com frequência no fumo dos limites 
e entre duas vagas algodoadas, se parece que sou real, vereis, 
entrelaçar-se na tristeza o olho do desejo e o da morte, 
e eu estou algures entre dois azuis gémeos que vêm apagar a noite.

Seja como for o leve vento de neve voltará de certeza 
êxito estranho do avesso dos dias; um anjo pousou 
a mão na mesa, à beira-mar, e a cortina 
dança entre o azul e o branco, encantamento do ar, 
e seja como for as mãos nuas das horas alisadas 
não dizem quase nada, levadas pelo anjo triste de cabelos 
de ouro, e sopro de pássaros; pousada, a mão parece-se 
com a sombra do mar porque ainda aí vivem homens, asas cortadas, 
no côncavo da palma do deus grego, a gota de orvalho 
que o caminho cego dos dias nos deixou para estancar a sede.

Joan-Ives Casanova


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