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quinta-feira, 29 de abril de 2010

How They Met Themselves


Dante Gabriel Rossetti, How They Met Themselves, 1851-1864

Dois amantes, passeando no bosque, avistam uma aparição dos seus duplos, rodeados por uma luz fantasmagórica.
A dama, quase a desfalecer, tenta alcançar o seu outro, fora deste mundo, eu, enquanto a dama etérea olha, compadecida.
Os dois homens estão assustados e desafiantes, mão na espada.
Nem em todas as tradições, o encontro com o doppelganger significa premonição de morte. Também pode representar um encontro com Deus.
Esta última visão aproxima-se muito mais das minhas próprias emoções relativamente a este quadro.
O passeio na floresta pode ser visto como uma viagem ao inconsciente. Nessa viagem confusa, assustadora e misteriosa, o espírito pode perder-se mas também pode, finalmente, reunir-se à centelha divina…

Shadows of the world


John William Waterhouse, 1915, "I am half sick of shadows", said the Lady of Shalott (Tennyson, 1842)

Lady of Shalott, amaldiçoada, precisa constantemente de tecer uma tapeçaria mágica sem poder olhar directamente para fora, o mundo. Em vez disso, ela vê através de um espelho que reflecte a movimentada estrada vinda de Camelot.

And moving through a mirror clear
That hangs before her all the year,
Shadows of the world appear.


Quando pára de tecer para olhar directamente, pela janela, para Lancelot, a maldição cai sobre si...

She left the web, she left the loom,
She made three paces through the room,
She saw the water-lily bloom,
She saw the helmet and the plume,
She look'd down to Camelot.
Out flew the web and floated wide;
The mirror crack'd from side to side;
"The curse is come upon me," cried
The Lady of Shalott.


excerto de The Lady of Shalott, Tennyson, 1842

terça-feira, 27 de abril de 2010

Half-awake in a fake empire

Na competição em termos de prestígio apenas parece sensato tentarmos aperfeiçoar a nossa imagem em vez de nós próprios. Isso parece ser a forma mais económica e directa para produzirmos o resultado desejado. Acostumados a viver num mundo de pseudo-eventos, celebridades, formas dissolventes, e em imagens-sombra, nós confundimos as nossas sombras com nós próprios. A nós elas parecem mais reais que a realidade. Porque é que elas não deveriam parecer assim aos outros?

Daniel J. Boorstin, in 'The Image. A Guide to Pseudo-Events in America'


The National - Fake Empire

domingo, 25 de abril de 2010

Que Liberdade?




As Pessoas Sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes de comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”
Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”.

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 24 de abril de 2010

O des-conhecimento do eu

A poesia de Fernando Pessoa assenta numa questão primordial: a da identidade perdida. "Quem me dirá quem sou?" é a interrogação presente em todas as máscaras e ficções da sua escrita múltipla.

Na solidão essencial da sua vida e obra vislumbra-se a perda narcísica de si e do mundo - um jogo ambivalente entre o escrever e o viver.

Coloco aqui hoje apenas o primeiro de muitos poemas a serem colocados do meu poeta de eleição (ou talvez devesse dizer dos meus poetas...)

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

18-09-1933

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Retrato de Dorian Gray

Depois de ter estudado, na faculdade, há mais de quinze anos, esta obra-prima da literatura, ainda hoje recordo alguns dos seus principais temas: o mito do duplo ou doppelganger; os conceitos de Beleza e Verdade; a Fisiognomia (crença de que os traços físicos são reveladores do carácter); a arte vs. a moralidade / ética; a secreta vida dupla da sociedade vitoriana e sua obsessão pelo mal, a culpa, a repressão e a consciência; a entrega da alma ao diabo em troca de prazeres terrenos; e diversos “ismos” (narcisismo, hedonismo, esteticismo, dandismo, etc).

Ao longo da narrativa, questiona-se a autenticidade das aparências – tema essencialmente vitoriano e, atrevo-me a dizer, ainda actual, nesta sociedade contemporânea obcecada pela beleza física e makeovers.

Dorian Gray não consegue a harmonia entre a alma e o corpo e, no fim da obra, o retrato, verdadeiro herói do drama, é restituído à sua devida beleza e a ordem moral é restaurada…

Há noites em que, apenas iluminada pelo luar, olho fixamente o meu rosto no espelho. Surge-me então um espectro, de faces chupadas e olhos desmesuradamente grandes onde se lêem mágoas, angústias, desesperos, raivas e medos acumulados durante trinta e seis anos. Estendo-lhe a mão e…


The Picture of Dorian Gray, de Albert Lewin, 1945

terça-feira, 20 de abril de 2010

Van den Budenmayer Concerto

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O Duplo : La Double Vie de Véronique de Krzysztof Kieslowski

Seguramente um dos filmes da minha vida e inspirador do título deste blogue. La Double Vie de Véronique é um filme sublime, mágico e misterioso.

A francesa Véronique e a polaca Veronika – uma alma dividida em dois corpos. Funcionando mais num nível espiritual do que religioso, o filme explora a ideia de todos nós termos um duplo que vive a sua vida nalgum outro lugar. Diz-se que ver o seu próprio doppelganger é sinal de morte iminente e, de facto, pouco tempo depois de avistar acidentalmente Véronique num autocarro, Veronika morre…

Este filme fascina-me pelas suas “coincidências”(Alexander diz a Véronique que mantém duas marionetas iguais para o caso de uma se partir…), sincronicidades e pelas suas inconsistências e ausência de resolução final – não é assim mesmo a vida? De repente, a nossa realidade quotidiana é subtilmente impregnada de poesia…

A minha cena favorita – a das marionetas. A vida e a morte manipuladas pelo criador, a metamorfose e a ascensão da alma...


La Double Vie de Verónique, de Krzysztof Kieslowski, 1991
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