A poesia de Fernando Pessoa assenta numa questão primordial: a da identidade perdida. "Quem me dirá quem sou?" é a interrogação presente em todas as máscaras e ficções da sua escrita múltipla.
Na solidão essencial da sua vida e obra vislumbra-se a perda narcísica de si e do mundo - um jogo ambivalente entre o escrever e o viver.
Coloco aqui hoje apenas o primeiro de muitos poemas a serem colocados do meu poeta de eleição (ou talvez devesse dizer dos meus poetas...)
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa
18-09-1933