A poesia é a vida? pois claro!
Conforme a vida que se tem o verso vem
- e se a vida é vidinha, já não há poesia
que resista. O mais é literatura,
libertinura, pegas no paleio;
o mais é isto: o tolo de um poeta
a beber, dia a dia, a bica preta,
convencido de si, do seu recheio...
A poesia é a vida? Pois claro!
Embora custe caro, muito caro,
e a morte se meta de permeio.
Alexandre O'Neill
Mad World - versão de Gary Jules
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
O melhor pretexto
É tão frágil a vida,
tão efémero tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo?)
E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade
de resistir à morte
quanto maior é a idade.
Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimentos, vínculos.
Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber
que a vida não é outra
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos).
Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
digamos "não" a tudo
que tenha outro sentido.
E que melhor pretexto
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?
Alexandre O'Neill
in Poemas com endereço, 1962
La Double Vie de Veronique, de Kieslowski, 1991
tão efémero tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo?)
E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade
de resistir à morte
quanto maior é a idade.
Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimentos, vínculos.
Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber
que a vida não é outra
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos).
Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
digamos "não" a tudo
que tenha outro sentido.
E que melhor pretexto
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?
Alexandre O'Neill
in Poemas com endereço, 1962
La Double Vie de Veronique, de Kieslowski, 1991
domingo, 12 de dezembro de 2010
Lunática
A Lua, personificação do capricho, olhou pela janela enquanto dormias no teu berço, e disse consigo mesma:
in O Spleen de Paris, de Charles Baudelaire
"Gosto desta criança".
E desceu solenemente a sua escadaria de nuvens e passou sem ruídos através das vidraças. E depois envolveu-te com a ternura flexível duma mãe, depondo-te no rosto as suas cores. Daí as tuas pupilas ficarem verdes, e as tuas faces extaordinariamente pálidas. Foi ao contemplares essa visitante que os teus olhos tão bizarramente se dilataram; e ela estreitou-te o peito com tanto amor que tu ficaste para sempre com vontade de chorar.
Entretanto, na expansão da sua alegria, a Lua enchia todo o teu quarto com uma atmosfera fosforescente, como um veneno luminoso; e toda essa luz viva pensava e dizia: "Hás-de sofrer eternamente a influência do meu beijo. Serás bela à minha maneira. Amarás aquilo que eu amo e aquilo porque sou amada: a água, as nuvens, o silêncio e a noite; o mar imenso e verde; a água informe e multiforme; o lugar onde não estejas; o amante que não conheças; as flores monstruosas, os perfumes que fazem delirar; os gatos que se espreguiçam sobre os pianos e gemem como mulheres, com uma voz rouca e suave!
"E tu serás amada pelos amantes, cortejada pelos meus cortesãos. Tu serás a rainha dos homens de olhos verdes, cujo peito igualmente estreitei nas minhas carícias nocturnas; daqueles que amam o mar imenso, tumultuoso e verde, a água informe e multiforme, o lugar onde não estão, a mulher que eles não conhecem, as flores sinistras que se semelham a turíbulos duma religião desconhecida, os perfumes que perturbam a vontade, e os animais selvagens e voluptuosos que são emblemas da sua loucura".
E é por isso, maldita e adorada criança mimalha, que eu estou agora deitado a teus pés, procurando em toda a tua pessoa o reflexo da temerosa Divindade, da fatídica madrinha, da ama peçonhenta de todos os lunáticos.
in O Spleen de Paris, de Charles Baudelaire
Madeline von Foerster
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
domingo, 5 de dezembro de 2010
Soneto da Separação
De repente do riso fez-se pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes in O Poeta Apresenta o Poeta
Broken Social Scene - Lover's Spit
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes in O Poeta Apresenta o Poeta
Broken Social Scene - Lover's Spit
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Lilith
A imagem de Lilith, sob o nome de Lilitu, apareceu primeiramente representando uma categoria de demónios ou espíritos de ventos e tormentas, na Suméria, por volta de 3000 A.C. Por ser associada ao vento, pensava-se que ela era portadora de mal-estares, doenças e mesmo da morte. Ela é também associada a um demónio feminino da noite, na antiga Mesopotâmia. Muitos acreditam que há uma relação entre Lilith e Inanna, deusa suméria da guerra e do prazer sexual.
Segundo o Zohar (comentário rabínico dos textos sagrados), Eva não é a primeira mulher de Adão. Quando Deus criou Adão, ele fê-lo macho e fêmea, depois cortou-o ao meio, chamou a esta nova metade Lilith e deu-a em casamento a Adão. Mas Lilith recusou, não queria ser oferecida a ele, tornar-se desigual, inferior. Na modernidade, isso levou à popularização da noção de que Lilith foi a primeira mulher a rebelar-se contra o sistema patriarcal.
Assim dizia Lilith: ‘‘Por que devo deitar-me debaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Porquê ser dominada por ti? Contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.’’ Mas Adão se recusava a inverter as posições, consciente de que existia uma "ordem" que não podia ser transgredida. E assim, ela abandonou o Éden - é o momento em que o Sol se despede e a noite começa a descer o seu manto de escuridão soturna, tal como na ocasião em que Deus fez vir ao mundo os demónios.
Três anjos foram enviados no seu encalço, porém Lilith recusou-se a voltar. E mesmo depois de abandonar o seu marido, ela não aceitava Eva, a sua segunda mulher, e tentaria destruir a humanidade, os filhos do adultério de Adão com Eva. Perseguiria então os homens, principalmente os adúlteros, crianças e recém-casados para se vingar.
Lilith, de John Collier
Lilith afirmou-se como um demónio e é o seu carácter demoníaco que leva a mulher a contrariar o homem e a questionar o seu poder. Desde então, Lilith tornou-se a noiva de Samael, o senhor das forças do mal.
Na tradição medieval, Lilith é muito citada entre as superstições de camponeses, por exemplo, ter um amuleto com o nome dos 3 anjos que a perseguiram para fora do Éden, Sanvi, Sansavi e Samangelaf para protecção, assim como acordar o marido que sorrisse durante o sono, pois ele estaria sendo seduzido por Lilith.
Assim surgiram as lendas vampíricas: Lilith tinha 100 filhos por dia, súcubus quando mulheres e íncubus quando homens, ou simplesmente lilims. Eles se alimentavam da energia do acto sexual e de sangue humano. Também podiam manipular os sonhos humanos, sendo os geradores das poluções noturnas. Uma vez possuído por uma súcubus, dificilmente um homem sobrevivia.
Há certas particularidades interessantes nos ataques de Lilith, como o aperto esmagador sobre o peito, uma vingança por ter sido obrigada a ficar por baixo de Adão, e a sua habilidade de cortar o pénis com a vagina, segundo os relatos católicos medievais. Conta-se, por exemplo, que Lilith surpreendia os homens durante o sono e os envolvia com toda a sua fúria sexual, aprisionando-os na sua lasciva demoníaca, e causando-lhes orgasmos demolidores. Aqueles que resistiam e não morriam, ficavam exangues e acabavam por adoecer. Por isso Lilith também está identificada com o tradicional vampiro.
Ao mesmo tempo que ela representa a liberdade sexual feminina, também representa a castração masculina.
Ao mesmo tempo que ela representa a liberdade sexual feminina, também representa a castração masculina.
Lilith, de Dante Gabriel Rosseti
Algumas vezes Lilith é associada à deusa grega Hécate, "A mulher escarlate", um demónio que guarda as portas do inferno montada num enorme cão de três cabeças, Cérbero. Hécate, assim como Lilith, representa na cultura grega a vida nocturna e a rebeldia da mulher sobre o homem. Lilith também é considerada um dos Arquidemónios, símbolo da vaidade.
Nos dois últimos séculos, a imagem de Lilith começou a transformar-se em certos círculos intelectuais seculares europeus, na literatura e nas artes, quando os românticos passaram a considerar mais a imagem sensual e sedutora de Lilith, em contraste com a tradicional imagem demoníaca, nocturna, devoradora de crianças, causadora de pragas, depravação e vampirismo.
Metropolis, de Fritz Lang, 1927
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
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