comigo me desavim
eu não sou eu nem sou o outro
sou posto em todo perigo
sou qualquer coisa de intermédio
não posso viver comigo
pilar da ponte de tédio
não posso viver sem mim
que vai de mim para o Outro
"Sá de Miranda Carneiro", Alexandre O'Neill, in A Saca de Orelhas (1979)
Blow-up, de Michelangelo Antonioni,1966
segunda-feira, 30 de maio de 2011
sábado, 28 de maio de 2011
Sonho
Dante Gabriel Rossetti, Roman de la Rose, 1864
Deus, que leda que m'esta noite vi,
amiga, en un sonho que sonhei!
Ca sonhava, en como vos direi,
que me dizía meu amig'assí:
«Falade mig', ai meu lum'e meu ben!».
Non foi no mundo tan leda molher
en sonho, nen no podía seer,
ca sonhei que me veera dizer
aquel que me milhor que a si quer:
«Falade mig', ai meu lum'e meu ben!».
Des que m'espertei, houvi gran pesar,
ca en tal sonho havía gran sabor,
con o rogar-me, por Nostro Senhor
o que me sabe máis que si amar:
«Falade mig', ai meu lum'e meu ben!».
E, pois m'espertei, foi a Deus rogar
que me sacass'aqueste sonh'a ben.
Dom Joam Mendes de Briteiros
Amor
Edward Burne-Jones, Love among the Ruins
" Era verdade que havia muito tempo - quanto, não seria capaz de precisar - superara a angústia de não poder ser mais do que era para ele. (...) Agora, ali estavam os dois, deitados lado a lado, banhados por uma paz maravilhosa, não a paz da resignação mas a paz da plenitude. Benedetta tinha tudo o que desejava dele. Não lhe importava que os outros pudessem pensar que era bem pouco: preenchia a sua vida e fora-lhe oferecido com uma generosidade tão absoluta como a do amor. (...)
- Não foi um beijo para uma esposa, uma amante, uma mãe, uma irmã ou uma filha - disse, por fim, extasiada.
- Não, foi um beijo só para vós. Para a minha doce amiga... do mais grato dos amigos, para a mais sincera e terna de todas as doces amigas."
A Árvore do Céu, de Edith Pargeter, I vol. "A Pedra da Vida", Bizâncio
sexta-feira, 27 de maio de 2011
"Que somos nós para Ti?"
A Árvore da Vida, de Terrence Malick, 2011
"Light of my life I search for you."
Mal te conheci. Ficaste tão pouco tempo - o tempo que precisavas...
Quem és, quem foste tu? Consegues ver-me e velas por mim, por nós, como um anjo, ou desfizeste-te em mil partículas, presente em nada e em tudo?
Ela brinca com a neta mas é o teu rosto que vê.
Nas horas mais sombrias, sabes que acredito que houve um engano, que devia ter sido eu... disseram-me e eu acreditei... Diz-me tu a razão, o propósito, se é que existem.
Voltarei a encontrar-te? Ajuda-me a acreditar...
Para ti.
Ela brinca com a neta mas é o teu rosto que vê.
Nas horas mais sombrias, sabes que acredito que houve um engano, que devia ter sido eu... disseram-me e eu acreditei... Diz-me tu a razão, o propósito, se é que existem.
Voltarei a encontrar-te? Ajuda-me a acreditar...
Para ti.
quarta-feira, 25 de maio de 2011
terça-feira, 24 de maio de 2011
De volta dos livros
Buster Keaton
São os livros uns mestres mudos que ensinam sem fastio, falam verdade sem respeito, repreendem sem pejo, amigos verdadeiros, conselheiros singelos; e assim como à força de tratar com pessoas honestas e virtuosas se adquirem insensivelmente os seus hábitos e costumes, também à força de ler os livros se aprende a doutrina que eles ensinam. Forma-se o espírito, nutre-se a alma, com bons pensamentos; e o coração vem, por fim, experimentar um prazer tão agradável, que não há nada com que se compare; e só sabe avaliar quem teve a fortuna de o possuir.
Padre António Vieira, in Obras Completas
sábado, 21 de maio de 2011
Abrindo a Porta
sábado, 14 de maio de 2011
Não o Sonho
Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.
Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.
Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"
Leonard Campbell Taylor
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Libertação
Silêncio profundo...
Fechei a porta.
(Madeira morta
Entre mim e o mundo).
Luiz de Macedo in Távola Redonda
Fechei a porta.
(Madeira morta
Entre mim e o mundo).
Luiz de Macedo in Távola Redonda
Lillian Gish, The Wind, 1928 |
sexta-feira, 6 de maio de 2011
Quero o Silêncio
Frederick Watts, Orfeu
Não cantes mais!
Quero o silêncio
Para dormir
Qualquer memória
Da voz ouvida,
Desentendida,
Que foi perdida
Por eu a ouvir...
Fernando Pessoa
À Espera
Auguste Toulmouche, À Espera, 1867 |
“Until at last, I gave up hoping, for even my heart acknowledged it was all in vain.”
Agnes Grey, Anne Bronte
domingo, 1 de maio de 2011
Nas Mãos do Medo
Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.
Mário Cesariny
Urze de Lume - Nas Mãos do Medo
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.
Mário Cesariny
Urze de Lume - Nas Mãos do Medo
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