Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar ?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,
está no pensamento como ideia:
o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
Luís Vaz de Camões
INTERVALO DOLOROSO - Autobiografia sem factos
112.
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanismo é abjecto, mas, em exacta verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade.
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego
Jan Van Eyck, Detalhe do Espelho Convexo - O Casamento dos Arnolfini, 1434
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar ?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,
está no pensamento como ideia:
o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
Luís Vaz de Camões
INTERVALO DOLOROSO - Autobiografia sem factos
112.
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanismo é abjecto, mas, em exacta verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade.
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego
Jan Van Eyck, Detalhe do Espelho Convexo - O Casamento dos Arnolfini, 1434