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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A nuvem prateada das pessoas graves

Nem sempre se deve desconfiar das pessoas
graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,
os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão depois.
Às vezes elas veem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo dos pés e por isso do outro lado do mundo.
O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés e mais longe ainda das mãos
que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos
se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.
Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias quando as olhamos de frente 
rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo que foram ou das pessoas que amaram.
Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no chão. 
A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, destas pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.

Rui Costa, in “A Nuvem Prateada das Pessoas Graves”, 2005

Recordações da Casa Amarela, João César Monteiro, 1989

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