graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,
os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão depois.
Às vezes elas veem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo dos pés e por isso do outro lado do mundo.
O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés e mais longe ainda das mãos
que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos
se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.
Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias quando as olhamos de frente
rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo que foram ou das pessoas que amaram.
Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no chão.
A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, destas pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.
Rui Costa, in “A Nuvem Prateada das Pessoas Graves”, 2005
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Recordações da Casa Amarela, João César Monteiro, 1989 |