Ele postou-se, de pé, a meu lado: com a mão esquerda segurava-se à pega de couro; com a direita brandia implacável o guarda-chuva. Os passageiros começaram por trocar tímidos sorrisos. O condutor pôs-se a observar-nos pelo espelho. Pouco a pouco avolumou-se uma grande gargalhada, uma gargalhada estrondosa, interminável.
Eu, com a vergonha, corei que nem um pimento. O meu perseguidor, alheio aos risos, continuou com as pancadas.
Desci - descemos - na ponte do Pacífico. Seguíamos pela avenida Santa Fé. Todos se voltavam estupidamente para nos olhar. Pensei em dizer-lhes: "Que é que estão a olhar, imbecis? Nunca viram um homem a bater na cabeça de outro com um guarda-chuva?". Mas também pensei que nunca teriam visto tal espectáculo. Cinco ou seis miúdos puseram-se a seguir-nos, gritando como energúmenos.
Mas eu tinha um plano. Chegado a casa, decidi fechar-lhe bruscamente a porta nas ventas. Não consegui: ele, com mão firme, antecipou-se, agarrou a maçaneta, deu um empurrão e entrou comigo.
Fernando Sorrentino, "Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça" (trad. Fernando Venâncio), in Ficções, nº 9, 1º semestre de 2004
Fernando Sorrentino, "Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça" (trad. Fernando Venâncio), in Ficções, nº 9, 1º semestre de 2004