Porque, de facto, o homem não me pregava propriamente guardachuvadas; eram antes leves pancadas o que me aplicava, absolutamente indolores. É claro que tais pancadas são tremendamente incómodas. Todos sabemos que, quando uma mosca nos pousa na testa, não sentimos dor nenhuma: sentimos desconforto. Ora bem, aquele guarda-chuva era uma gigantesca mosca que, a intervalos regulares, pousava, uma vez e outra, na minha cabeça.
Convencido de que me achava perante um louco, resolvi afastar-me. Mas o homem seguiu-me em silêncio, sem parar de bater. Desatei então a correr (aqui devo salientar que há poucas pessoas tão rápidas como eu). Ele lançou-se em minha perseguição, procurando em vão assestar-me uma pancada. E o homem ofegava, ofegava, ofegava, e arquejava tanto que pensei que, se continuasse a obrigá-lo a correr assim, o meu torturador cairia morto ali mesmo.
Por isso deixei a correria e retomei o passo. Olhei-o. No seu rosto não havia nem gratidão nem censura. Só me dava com o guarda-chuva na cabeça. Pensei em apresentar-me na esquadra, dizer: "Senhor comandante, este homem está a dar-me com um guarda-chuva na cabeça". Seria um caso sem precedentes. O comandante olhar-me-ia desconfiado, começaria a fazer-me perguntas embaraçosas, talvez acabasse por prender-me.
Achei melhor voltar para casa. Meti-me no autocarro 67. Ele, sem deixar de dar-me pancadas, subiu atrás de mim. Sentei-me no primeiro banco.
Fernando Sorrentino, "Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça" (trad. Fernando Venâncio), in Ficções, nº9, 1º semestre de 2004