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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça - 1ª parte

Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça. Faz hoje exactamente cinco anos que começou a dar-me com guarda-chuva na cabeça. Nos primeiros tempos não conseguia suportá-lo; agora estou habituado.

Não sei como se chama. Sei que é um homem vulgar, de fato cinzento, alguns cabelos brancos, um rosto vago. Conheci-o há cinco anos, numa manhã de calor. Eu estava a ler o jornal, à sombra de uma árvore, sentado num banco da mata de Palermo. De repente senti que qualquer coisa me tocava na cabeça. Era este mesmo homem que, agora, enquanto estou a escrever, continua mecânica e indiferentemente a dar-me guardachuvadas.

Naquele momento virei-me cheio de indignação: ele continuou a aplicar-me pancadas. Perguntei-lhe se estava doido: nem pareceu sequer ouvir-me. Então ameacei-o de ir chamar um guarda: imperturbável e sereno, prosseguiu a sua tarefa. Depois de uns instantes de indecisão, e vendo que ele não desistia da sua atitude, pus-me de pé e preguei-lhe um soco na cara. O homem, exalando um ténue gemido, caiu no chão. De imediato, e fazendo, ao que parecia, um grande esforço, levantou-se e voltou silenciosamente a dar-me com o guarda-chuva na cabeça. O nariz sangrava-lhe, e nesse momento tive pena do homem e senti remorsos de tê-lo agredido daquela maneira.

Fernando Sorrentino, "Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça" (trad. Fernando Venâncio), in Ficções, nº 9, 1º semestre de 2004
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