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domingo, 29 de abril de 2018

Primeiro: Continuar. Segundo: Começar

Se não escrevo, leio. 
Não descanso até encontrar 
o poema que me alivie. 
Encontrarei palavras 
que me emprestem sentido. 

É um modo de sobrevivência que pratico, 
procurar casas dentro de casa. 
Transporto uma candeia discreta e vejo 
nos poetas-irmãos e nos poetas-amantes, 
sossego para as emoções que me fazem cerco. 

Fecharei os olhos 
quando me sentir iluminada por dentro. 


Marta Chaves, Varanda de Inverno



Hiroshima Mon Amour, de Alan Resnais, 1959

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Sit down beside me

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer


Mia Couto


 

domingo, 15 de abril de 2018

No meu olhar perdi tudo

No meu olhar perdi tudo.
É tão longe pedir. Tão perto saber que não há.

Alejandra Pizarnik

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Pertenço-te no silêncio dos meus lábios

Pertenço-te no silêncio dos meus lábios
Que dão guarida aos meus segredos.
Pertenço-te na primeira luz da manhã,
Enquanto o sono abraça teus olhos,
Posseiro dos teus caminhos e vontades.
Pertenço-te, sem saber porque, nem como,
Sem explicações e mesmo anonimamente.
Pertenço-te no desejo atrevido e húmido
Que te instiga a imaginação e te dilui a razão.
Pertenço-te quanto mais me negas,
E sei-me tua nos beijos que não me deste,
Nos arrepios que eriçam meu nome em tua nuca,
Nos sussurros que em tua boca acorrentas.
Pertenço-te na indecisão das tuas mãos,
E nas tuas tantas deliberadas recusas,
Nas trilhas que ocultas tuas confissões.
Pertenço-te na distância que me impões
Quando transbordam carícias do teu corpo
E indefeso, clamas para que meu tato adormeça.
Pertenço-te nas entregas que adias,
Nos carinhos que tão bem atas,
E que vais somando aos teus desamparos.
Pertenço-te, quando teu corpo debruça-se
Buscando em meu êxtase, os teus ais.
Pertenço-te no espalmar de tuas ânsias
Quando em teus lençóis, procuras-me
Resgatando-me nos vestígios dos teus sonhos.
Pertenço-te no entrelaçar dos teus dedos tensos,
Quando ainda não presumes minha chegada,
E hesitas em fazer-me teu destino, porto e acalanto.
Pertenço-te, quando te ausentas de ti,
E apenas a saudade de mim te alcança.
Pertenço-te sem horas, sem entender onde
Porque sempre fui tua, antes mesmo de te amar.


Fernanda Guimarães



Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnais, 1959


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