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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Bonjour tristesse

Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço?, como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.


Amalia Bautista


À peine défigurée


Adieu tristesse,
Bonjour tristesse.
Tu es inscrite dans les lignes du plafond.
Tu es inscrite dans les yeux que j'aime

Tu n'es pas tout à fait la misère,
Car les lèvres les plus pauvres te dénoncent
Par un sourire.

Bonjour tristesse.
Amour des corps aimables.
Puissance de l'amour
Dont l'amabilité surgit
Comme un monstre sans corps.
Tête désappointée.
Tristesse, beau visage.



Paul Éluard

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

E o meu desejo de ti

Olho-te pelo reflexo 
Do vidro 
E o coração da noite 

E o meu desejo de ti 
São lágrimas por dentro, 
Tão doídas e fundas 
Que se não fosse: 

o tempo de viver; 
e a gente em social desencontrado; 
e se tivesse a força; 
e a janela ao meu lado 
fosse alta e oportuna, 

invadia de amor o teu reflexo 
e em estilhaços de vidro 
mergulhava em ti. 


Ana Luísa Amaral

Mystery of Love

Senhor, o amor é uma coisa que mete medo
não sabeis pois que se trata de um trabalho difícil
exige uma coragem e uma fé além do improvável
uma humanidade indizível
uma fraternidade cega
dinheiro e garrafas
crianças ao acaso
olhares nem sequer fulminantes
e charcos de céu
e festas campestres
quando o tempo permite
o amor quer idas à pesca, patins e chocolate negro
o amor quer a curva suave e a facilidade
é tão difícil, Senhor
não poderia descrevê-lo
em toda a sua volúpia
para lá dos seus mártires
e dos seus desastres hipócritas
o amor é pleno de alegria
e segue o seu caminho
na névoa dos primeiros passos
na roupa pendurada no inverno
na corda tensa
vai para onde calha
e muito lentamente
lentamente demais o amor segue
como um ouriço do mar oco cheio de areia
como um botão que se deixa por coser
é miserável
é uma pluma
move-se ao vento
quando o coração bate
é esplêndido lavado pela maré
mesmo na maré odiosa
é onda
e é belo
é onda e é belo e cheio de algas
é o silêncio
é a luz
uma coisa assim vulgar


Hélène Monette

Cantiga de Amigo

Pela margem do rio tranquilo,
brinquei, oh mãe, com o meu amigo.
Amores eu tenho, antes não tivesse,
o que fiz por ele, antes não fizesse!

Pela margem do rio ondulante,
brinquei, oh mãe, com o meu amante.
Amores eu tenho, antes não tivesse,
o que fiz por ele, antes não fizesse!

João Zorro

domingo, 11 de fevereiro de 2018

If you call out I will follow

Lembro-me de ti
Nesse instante absoluto,
A vida conduzida por um fio de música.
Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo
Onde tudo será permitido.

Se é só isso que podemos ter,
Que seja forte. Que seja único.
Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia,
Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.

Lya Luft

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Out of Time

Conduzir mas sem ter um acidente,
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
em não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas folhas
e estou-me nas tintas para elas,
retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
responder ao correio, estender roupa,
declarar rendimentos, ler uns livros,

fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo todo que quisesse
para fazer só coisas esquisitas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.

Amalia Bautista

sábado, 3 de fevereiro de 2018

E ao fim do meu dia

E ao fim do meu dia
a matéria de que se faz a minha vida
de novo abandonada
de novo de novo abandonada 
pergunta-me silenciosa 
se ao apagar da luz
a vida terá princípio. 

Pedro Tamen

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