Matamos o que amamos. O mais
nunca esteve vivo – nunca.
Nem um só, assim perto. A nenhum outro fere
um esquecimento, uma ausência, às vezes menos.
Matamos o que amamos. Que cesse de imediato esta asfixia
de respirar por pulmão alheio.
O ar é lá bastante
para os dois! Não basta a terra
para os corpos juntos,
parca porra parca a ração da esperança,
tão parca como a dor de partilhar.
O homem é animal de solidões,
cervo com uma flecha no flanco
que foge e se dessangra.
Ah, mas o ódio, a sua ferida insone
de pupilas em vidro; a sua postura,
em torno, repouso e ameaça.
O cervo vai a beber e na água aparece
o reflexo de um tigre:
o cervo bebe a água e a imagem. E torna-se
- antes que o devorem (cúmplice, fascinado) –
igual ao seu inimigo.
Só damos vida ao que odiamos.
Rosario Castellanos (1925-1974)
tradução de António Cabrita