tal como pedes eu trato
dos nossos tristes assuntos
já rasguei o teu retrato
e outro em que estávamos juntos.
e o anel que tu me deste
fui deitá-lo fora ao mar,
o vento soprava agreste
e não havia luar.
há-de ficar-te a lembrança
da nossa vida passada,
eu, perdida a esperança,
fico sem nada, sem nada.
fica tu com as mentiras
que te dizem estou bem
e outras mais que tu prefiras,
que as não digo a mais ninguém.
fico eu com as verdades
tão duras, sem exagero,
e angústias e ansiedades
e agonia e desespero,
fico eu com o vazio
da negra noite sem fim,
nem sei quem sou, tenho frio,
estou comigo e sem mim
não me conheço ao espelho:
serei eu? não serei eu?
já deixou de ser vermelho
um coração que bateu.
e assim eu me despedaço,
sem salvação nem socorro:
se não sou eu, me desgraço,
se sou eu, sinto que morro.
Vasco Graça Moura, in Poesia 2001-2005