Não sei, ama, onde era.
Nunca o saberei...
Sei que era Primavera
E o jardim do rei...
(Filha, quem o soubera!...)
Que azul tão azul tinha
Ali o azul do céu!
Se eu não era a rainha,
Porque era tudo meu?
(Filha, quem o adivinha?)
E o jardim tinha flores
De que não me sei lembrar...
Flores de tantas cores...
Penso e fico a chorar...
(Filha, os sonhos são dores...)
Qualquer dia viria
Qualquer coisa fazer
Toda aquela alegria
Mais alegria nascer
(Filha, o resto é morrer...)
Conta-me contos, ama...
Todos os contos são
Esse dia, e jardim e a dama
Que eu fui nessa solidão...
Fernando Pessoa
O Espírito da Colmeia, de Victor Erice, 1973