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terça-feira, 29 de setembro de 2020

O Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo, 
não de cultivo alheio ou de presença. 
Nada exige nem pede. Nada espera, 
mas do destino vão nega a sentença. 

O amor antigo tem raízes fundas, 
feitas de sofrimento e de beleza. 
Por aquelas mergulha no infinito, 
e por estas suplanta a natureza. 

Se em toda a parte o tempo desmorona 
aquilo que foi grande e deslumbrante, 
o antigo amor, porém, nunca fenece 
e a cada dia surge mais amante. 

Mais ardente, mas pobre de esperança. 
Mais triste? Não. Ele venceu a dor, 
e resplandece no seu canto obscuro, 
tanto mais velho quanto mais amor. 


Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando' 

quarta-feira, 4 de março de 2020

Quando um sonho morre

2

a dizer outra vez

se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei

palavras rançosas a revolver outra vez no coração

amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras

aterrorizado outra vez

de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir

eu e todos os outros que te hão-de amar

se te amarem

3


a não ser que te amem





Samuel Beckett, As escadas não têm degraus 3trad. Miguel Esteves Cardoso, Livros Cotovia, 

março 1990

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Eu preciso de silêncio

Eu preciso de silêncio
e solidão
e de um traje de linguagem bem ajustado.
Eu preciso de um segredo
e de uma sugestão de realidade muito firme.
A minha função agora
é tentar me libertar
das minhas próprias formulações.

É um luto viver.
Se não entendermos assim
nunca seremos felizes.

Kristina Lugn (trad. de Fernanda Sarmatz Åkesson)
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