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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Estar dentro

1

Reúno-me com os professores da turma numa sala de aulas comum, mas nestas alturas tratamo-la por “sala de reuniões”. A diferença da sala de aulas e da sala de reuniões está na disposição das mesas – arrastaram-se algumas até ao centro, fazendo um rectângulo maior em torno do qual os professores abancam. A outra diferença é que, quando os alunos se sentavam dois a dois, as mesas não se chamavam mesas, eram carteiras. Apercebo-me que o “Carina + Igor” escrito à minha frente é muito mais estranho numa mesa do que numa carteira.

2

No rectângulo de mesas sentam-se pessoas que têm em comum a profissão e a vontade que o tempo passe depressa. Já as idades são diversas. Não sei quem é o mais velho entre nós, e isso seria uma informação sem importância alguma – exactamente o tipo de informação que hoje em dia me deixa curioso (a internet estragou-me). É claro que não vou perguntar isto das idades. Tenho senso de decoro. E embora estejamos todos com vontade que o tempo passe depressa, pareço ser o único dedicado a não atrasá-lo com perguntas sem importância alguma.

[...]

3

A reunião de professores tem por nomenclatura oficial “Conselho de Turma”. Questiono-me se o nome não parecerá pomposo e formal aos que estão de fora (esse mundo imenso de não-professores). Às vezes divago e imagino-me de fora; imagino-me a entrar ao engano nesta sala, ver as bolachas que alguém trouxe para a mesa, olhar para a informalidade das roupas, para os cabelos berrantes das professoras divorciadas. Imagino que me pedem silêncio porque está a decorrer um “Conselho de Turma”. O nome não soará pomposo e formal a quem está de fora?


A verdade é que estou dentro, e sei que a nomenclatura é ajustada. Há aqui gente extraordinariamente dedicada ao Ensino e aos alunos, dedicação que transcende a formalidade e merece todas as bolachas que quiser num “Conselho”. Ouço testemunhos de colegas que me envergonham - pelo tanto que eles fazem e sacrificam em prol dos miúdos, pelo pouco que em comparação eu faço. São testemunhos que me deixam com ponta corporativista, quase priapismo sindicalista. Sinto-me culpado por estar sempre a imaginar-me de fora. Culpado por andar sempre distraído a escrever disparates no meu Moleskine. Quero estar dentro. Vou só rabiscar aqui uma caricatura no canto e já vou para dentro. Dentro de momentos. Dentro do possível.

[...]

Samuel Úria, "Regressão às aulas" in Sapo 24, 12 Setembro 2018
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