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domingo, 31 de dezembro de 2017

Burning the Old Year

Letters swallow themselves in seconds.   
Notes friends tied to the doorknob,   
transparent scarlet paper, 
sizzle like moth wings, 
marry the air. 

So much of any year is flammable,   
lists of vegetables, partial poems.   
Orange swirling flame of days,   
so little is a stone. 

Where there was something and suddenly isn’t,   
an absence shouts, celebrates, leaves a space.   
I begin again with the smallest numbers. 

Quick dance, shuffle of losses and leaves,   
only the things I didn’t do   
crackle after the blazing dies. 


Naomi Shihab Nye, Words Under the Words: Selected Poems 



sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Waiting lists

For the end
For the bus
To go
For the bathroom
For a sign
For a table
For a chance
On a friend
For the rain to end
For an answer
For the climax
For the full story
For the solution
To hear
For the phone to ring
For the sun to go down
To come
For the commercial
For the credits to roll
For my name to be called
For the weekend
On line
For the bill
For the cure
In vain

Justine Hermitage
Anatol Knotek

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Drama Romântico

Tinha o que merecia.
No cinema não encontraria melhor. Nos livros,
talvez. Relações ilícitas no século dezanove.
Gente
para quem a carne era coisa de putas e de pobres,
mulheres pagas para
limpar o chão e abrir as pernas.
Parir, se tivesse de ser, algures na província,
por entre porcos e paredes de pedra.
O resto era consigo. Conseguia ver-se,
sozinha com a criança,
a avançar pelas ruas e bater às portas.
Numas mais escorraçada do que os cães, noutras,
piedosas,
a dizerem-lhe que entrasse pelas traseiras.
Comeria na cozinha com os criados.


Madalena de Castro Campos



sábado, 23 de dezembro de 2017

É tão lindo o Natal

[poema de Natal]

Corto os pulsos de dentro para fora,
sangro para dentro, lâminas de ruído
afiadas em ruas iluminadas, centros
comerciais, baías com árvores nunca

vistas, flutuantes, papel, x-acto, fita
cola, os pulsos cortados pelo lixo a
arder na noite de consoada, infindo
lixo a trazer felicidade, ilhas de lixo,

em alto mar, os pulsos a sangrar para
dentro famílias inteiras, eu calado a
embrulhar-me no lixo para me dar de
presente a quem me queira esbanjar.


Henrique Manuel Bento Fialho

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

I'm not here

Elegia Pura

Aqui não se passa nada,
salvo o tempo,
irrepetível
música que ressoa, 
extinta já, 
num coração oco, abandonado, 
que alguém toma um momento, 
escuta
e arremessa.

Ángel González

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

You do something to me

Mudança

Havia meses que não escrevia 
nem um único poema. 
Vivia com humildade, lendo os jornais,
pensando no enigma do poder 
e nas causas da obediência. 
Olhava para os pores-do-sol
(escarlates, cheios de inquietação), 
escutava o emudecimento das vozes dos pássaros 
e o silêncio da noite. 
Via os girassóis a pendurarem 
as cabeças ao lusco-fusco, como se um carrasco distraído 
passeasse por entre os jardins. 
No parapeito recolhia-se
a doce poeira de Setembro enquanto os lagartos 
se escondiam nas curvaturas dos muros. 
Dava longos passeios, 
sedento duma coisa só:
dum relâmpago, 
duma mudança, 
de ti. 

Adam Zagajewski, in "Sombras de Sombras"


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

I was here

Esta é uma tarde completa:
mil cacos de solidão.
Eu conto
eu comparo
eu formo
eu junto.
Estas são as minhas mãos nuas
numa mesa nua e triste.
Tento fixar este instante,
este fragmento de tempo, dissecá-lo completamente.
Tenho os olhos bem abertos.
Sinto o áspero e louco toque
da solidão.
Um sol branco, solitário e enlouquecido
está suspenso
no céu branco.

Vasant Abaji Dahake


Anatol Knotek

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Julia Dream

É fácil de encontrar o paraíso:
mesmo em novembro, quando a luz é breve
e o sol adormece nos telhados,
há um jardim onde os meus passos voam
e cada sonho volta a ser igual
ao secreto sentido que estremece
entre as asas das aves, tão velozes
como o vento que leva as nossas vidas. 


Fernando Pinto do Amaral

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

You have no idea

You have no idea 
of what I feel about
you
Of how much I 
I care about you
Of how much I think
you're amazing and beautiful
Of what I think 
we could become
Of how much you make me
happy and sad at the same time
Of how much you make me feel
so alive
Of the butterfly riot that takes place in my stomach
when you talk to me
Of how much you make me
scared
Of how much
you can hurt me

You have no idea.



quarta-feira, 22 de novembro de 2017

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam

e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny


Vivre sa vie, 1962

terça-feira, 21 de novembro de 2017

domingo, 19 de novembro de 2017

Pelos passos na areia molhada...

Pelos passos na areia molhada ao fim do dia poder-se-ia pensar 
que estou aqui, presente, mas parti por entre brisas fugidias 
e estou junto às asas do anjo no azul assustador do mar, 
do céu e das sombras; e o peso triste da carne parece-se com o espelho 
quebrado dos gestos e das horas, a imagem da presença dos corpos, 
uma mão, uma pálpebra, o desenho da pele e a voz escutada do tempo; 
o ar do dia dilui-me com frequência no fumo dos limites 
e entre duas vagas algodoadas, se parece que sou real, vereis, 
entrelaçar-se na tristeza o olho do desejo e o da morte, 
e eu estou algures entre dois azuis gémeos que vêm apagar a noite.

Seja como for o leve vento de neve voltará de certeza 
êxito estranho do avesso dos dias; um anjo pousou 
a mão na mesa, à beira-mar, e a cortina 
dança entre o azul e o branco, encantamento do ar, 
e seja como for as mãos nuas das horas alisadas 
não dizem quase nada, levadas pelo anjo triste de cabelos 
de ouro, e sopro de pássaros; pousada, a mão parece-se 
com a sombra do mar porque ainda aí vivem homens, asas cortadas, 
no côncavo da palma do deus grego, a gota de orvalho 
que o caminho cego dos dias nos deixou para estancar a sede.

Joan-Ives Casanova


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

As flores que devoram mel


As flores que devoram mel
ficam negras em frente dos espelhos.
Os animais que devoram estrelas em frente dos espelhos
ficam brancos por detrás dos pêlos
ou das plumas da idade.
As pedras por onde circula a água
ficam vivas de tanto cantar e, quando se voltam,
atingem a sua maior velocidade interior.
Se vêm às portas ver quem bate,
os lençóis cobrem-se de respiradoras —
quando regressam ao sono, deixam as mãos abertas.
Se é uma estátua que bate,
corre-lhe o sangue pela boca, e sobre os ombros
torcem-se os cabelos,
e as asas tremem em frente da porta.
Se é um retrato,
sorri sufocado pela noite adiante.
Os espelhos são negros como os jacintos
da loucura.
Os crimes que olham para o espelho têm uma vibração
silenciosa.
Se é uma criança, diz:
eu cá sou cor-de-laranja.
Porém às vezes é bom ser branco,
é bom estar deitado.
O mel faz bem às pedras,
atrai os olhos dos anjos.
Quem aplaina tábuas
acumula uma obscura sabedoria.
Olha para os espelhos,
tens um talento assimétrico de assassino.
Vê-se nos teus ramos frutos negros
contra a paisagem móvel.
Se fosses um peixe,
a porta estaria nas águas mais íntimas, frias, límpidas
e caladas.
E não batias — cantavas a tua síncope
terrível.
Nada se veria na vertente do espelho.
Serias como uma máquina cor de cal
respirando.
Por isso te ofereço este ramo de lâminas
e um fato de perfil — e andas nos labirintos.
Por isso te sento numa cadeira de ar.
Por isso somos os dois um quadrúpede de seda
de uma beleza truculenta.
Temos toda a vigília para encher de silêncios.
Pensamos os dois o mesmo corpo inaugurado.
As flores que devoram mel tornam negros
os espelhos.
As colinas vão olhando, e tremem na nossa carne
as estampas de ouro
extenuante.
Por isso, por isso, por isso —
somos assim
obscuros.

Herberto Helder

domingo, 22 de outubro de 2017

Canções de Amor

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons.



sábado, 21 de outubro de 2017

Hello Earth

Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixam

Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.

Guillevic


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Visões da Realidade

O Viajante

Ali de onde venho ninguém me retinha.
Sei que ninguém me espera aí para onde vou.

Pela janela desfilam imóveis as paisagens.
Seria maravilhoso não chegar a sítio nenhum.

Permanecer assim:
viajando de um lugar que já não existe
para outro que nunca existirá.


Juan Bonilla

Shirley: Visions of Reality, Gustav Deutsch, 2013



sábado, 30 de setembro de 2017

Se me deixasses ser

A outra Penélope

Por entre as oliveiras vem a Penélope
com os cabelos apanhados à trouxe mouxe
e uma saia comprada no mercado
azul marinho com florinhas brancas.
Explica-nos que não foi por dedicação
à ideia "Ulisses"
que deixou os pretendentes durante anos
a esperar na antecâmara
dos misteriosos hábitos do seu corpo.
Ali no palácio da ilha
com os horizontes fictícios
de um doce amor
e o pássaro à janela
a captar apenas isto, o infinito,
ela pintou com as cores da natureza
o retrato de Eros.
Sentado, de perna traçada,
segurando uma chávena de café
matinal, um pouco macambúzio, um pouco sorridente,
a sair quente dos edredões do sono.
A sombra dele na parede
marca deixada por um móvel há pouco retirado
sangue de antigo assassínio
aparição solitária do Karanguiózi
na tela, e por trás dele sempre a dor.
Inseparáveis o amor e a dor
como o balde e o menino na praia
o ah! e um cristal que se escapa das mãos
a mosca verde e o animal morto
a terra e a pá
o corpo nu e o lençol de Julho.

E a Penélope, que ouve agora
a música sugestiva do medo
a bateria da renúncia
o doce canto de um dia sereno
sem bruscas mudanças de tempo e tom
os complexos acordes
de uma infinda gratidão
por tudo o que não aconteceu, não se disse, não se diz,
acena que não, não, não a outro amor
não mais palavras e sussurros
abraços e dentadinhas
vozinhas na escuridão
cheiros de corpo que arde à luz.
A dor era o pretendente mais excelente
e fechou-lhe a porta.

Katerina Angheláki-Rooke

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Não é fácil o amor

paisagem
2.
O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.

Era um tempo
de espera, de acção suspensa.

Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.

Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.

O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.

O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.

Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.

Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento. Por vezes

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.

Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.

O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.

Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte.

Louise Glück
paisagem
tradução de rui pires cabral
telhados de vidro
nr. 12 maio 2009
averno
2009

segunda-feira, 1 de maio de 2017

A Lixeira Cultural

Contribuo
com o que posso
para
a lixeira cultural

não é muito. eu sei
outros dão muito mais
eu não passo de um amador
enfim

o importante
é cada um dar o seu melhor
como dizem os irresponsáveis.

Alberto Pimenta
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