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domingo, 29 de dezembro de 2013

Eu sonhava...

Eu sonhava que estava a dormir. Naturalmente, não me deixava enganar, sabendo que estava acordado, até à altura em que, ao despertar, me lembrei de que estava a dormir.

Henri Michaux

Berenice Abbott, Cocteau na cama com máscara, Paris 1927

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Saudade é solidão acompanhada

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Pablo Neruda


 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Stillness

Hei-de evitar
as análises, sossegar
a torrente dos sentidos
que apagam o coração.

Deixar molhadas
no campo as palavras
como um ramo de mansas
cicatrizes.

E dar
à pesada alegria da esperança
o tímido sorriso
de quem recebe a graça
mas não a dádiva.


José Carlos Soares

 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Do que a vida poderia ter sido

Os amigos juntam-se e falam do passado,
da música que já não se ouve na rádio,
do inverno em que choveu semanas a fio
e o rio saiu das margens para desenhar

nos troncos das árvores os círculos imperfeitos
da idade. Eles sabem para si mesmos que falam
do que nunca existiu: das mulheres
que se renderam para sempre às palavras do amor,

das perdizes caindo de asa nas encostas
iluminadas da urze, das corridas memoráveis
do vinte e cinco de Abril, das tardes de domingo
que haveriam de envergonhar a uefa

se a televisão estivesse presente nas finais dos torneios
dos bombeiros voluntários. É disso que os amigos
falam: do que a vida poderia ter sido
se não fosse a filha da puta de vida que foi.


José Carlos Barros

 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Fado das dúvidas

Saber de ti…
Mas para quê?
O que eu penso é o que vale!
E se não fores como eu te julgo
ou como eu te vi,
que a tua boca não fale!

– O que tu és não me interessa, crê.

Bendigo o teu sorriso,
que veio encher o meu olhar de luz!
Mas para quê saber quem és
ou que destino te conduz?!…
Não sei a cor dos teus cabelos
conheço a tua boca apenas quando ri…

Não voltes mais!
Que a visão do teu sorriso
– sorriso de curvas ideais,
virá dulcificar
a agonia dos poentes
destes meus dias sem remédio,
longos, incoerentes,
e desiguais!


Judith Teixeira

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