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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Longe

Carl Gustav Carus (1789-1869)

Longe
Hei-de acabar por me sentir longe
Longe de tudo

Hei-de pertencer cada vez mais
Ao horizonte

Hei-de ficar ao longe

Barco
Conscientemente afastado
De si próprio

Alberto de Lacerda

terça-feira, 20 de novembro de 2012

The Death of a Fly

There was once a man who disguised himself as a housefly
and went about the neighbourhood depositing flyspecks.
Well, he has to do something hasn’t he? said someone to someone
else.
Of course, said someone else back to someone.
Then what’s all the fuss? said someone to someone else.
Who’s fussing? I’m just saying that if he doesn’t get off
the wall of that building the police will have to shoot him off.
Oh that, of course, there’s nothing so engaging
as a dead fly.
I love dead flies, the way they remind me of individuals
who have met their fate.

Russell Edson


sábado, 17 de novembro de 2012

De longe te hei-de amar

De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.


Cecília Meireles

Memória, Elihu Vedder


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

The water is wide




The water is wide, I can-not get over
And neither have I, wings to fly
Give me a boat that can carry two
And both shall row, my love and I

A ship there is and she sails the seas
She's loaded deep, as deep can be
But not so deep as the love I'm in
And I know not how, to sink or swim

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Bleeding Hearted Blues

Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobra as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
 Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram.

Ruy Cinatti

            

When you're sad and lonely
Thinking about you only
Feeling disgusted and blue
Ah, your heart is aching
Yes, it's almost breaking
No one to tell your troubles to
That's the time you'll hang your head,
And begin to cry
All your friends forsake you,
Trouble overtakes you
And your good man turns you down
Evil talk about you
Everybody doubt you
And your friends can't be found
Not a soul to ease your pain
You will plead in vain
You've got those bleeding hearted blues
Say baby, tell me what's on your mind
Pretty papa, tell me what's on your mind
You keep my poor heart achin'
I'm worried all the time
I give up every friend that I had
Yes, I give up every friend that I had
I give up my mother
I even give up dear old dad

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

M-360

Aqui estamos, atravessando
sem saber o nosso destino,
à espera que o próprio caminho
o torne evidente (mas não),
somos todos assim metropolitanos (urbanos),
saímos na estação errada,
lemos cabeçalhos, vemos o envelhecimento
nos rostos que connosco através
de túneis dantescos (cliché),
e pensamos (ou dizemos agora que pensámos)
que há um plano que nos ultrapassa (rodoviário),
um plano (subterrâneo)
de linhas que se cruzam com as linhas
da mão, interceptadas em cores
e com o guarda-roupa do nosso
tempo (capitalismo tardio),
atravessamos (atrasados), sob o sol
que imaginamos em cima (platónico),
interrompidos pelo parêntesis irónico
da consciência que talvez queira fazer
a diferença mas não faz nada (nada).

Pedro Mexia

M-360, Rui Palha

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Foi numa noite de desarrumo do luar

Foi numa noite de desarrumo do luar
que de súbito compreendi
porque toda a gente a chorar
se ria de ti.

Riam-se os anhos
a comerem flores...
E riam-se os rebanhos
nos olhos dos pastores.

Riam-se os enforcados a bailar nas traves
de língua de fora.
E riam-se nas caves
os beleguins da penhora.

Ria-se o ranger da boca dos ventos
na fome das barcas...
E riam-se os avarentos
com o sol nas arcas.

Ria-se o pregar dos pregos
nos caixões dos hospícios.
E riam-se os cegos
à beira dos precipícios.

Riam-se as lágrimas das mães
a embalarem a morte dos filhos.
E riam-se os cães
em berços de junquilhos.

Riam-se os gigantes verdadeiros
em surdas vozes...
E riam-se os carneiros
... de serem ferozes.

Ria-se a pobre gente
sem alma nem pão
no incêndio de pó dos caminhos...
E principalmente - ah ! e principalmente ! -
riam-se num furacão
os donos dos moinhos.


José Gomes Ferreira, "Poesia I"





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