Páginas

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Beads


Frances Macnair, Man Makes the Beads of Life but Woman Must Thread Them, 1911

domingo, 30 de maio de 2010

Amor-próprio


Cagnaccio di San Pietro, Allo specchio, 1927


É pelo nosso amor-próprio que o amor nos seduz. Como resistir a um sentimento que embeleza o que temos, que nos restitui o que perdemos e nos dá o que não temos!
Sébastien-Roch Chamfort
Devíamos sempre aprender a amar-nos; é o único romance que dura a vida inteira.

Gabriele D'Annunzio

Amor-próprio e ódio a si próprio são as mais profundas das forças produtivas terrenas.

Hugo Hofmannsthal
O amor-próprio é um animal curioso, que consegue dormir sob os golpes mais cruéis, mas que acorda, ferido de morte perante uma simples beliscadura.

Alberto Moravia

Os defeitos de que te acusas são o reverso das qualidades de que te orgulhas.

Agostinho da Silva

sábado, 29 de maio de 2010

Poeta à solta

Criador

Cabe a cada um de nós não fazer o mesmo que outrem tem de fazer, mas sim o deixar feito o que nenhum outro fez, por muito que tal perturbe a ordem estabelecida. Somos cada um de nós poeta único (...) não aceitando, portanto, que tenhamos outro dever além de o sermos.

Agostinho da Silva, Comércio do Porto (1990)

Somente como poeta, isto é, criador, na arte, na ciência, na técnica, na acção e na contemplação, será o homem verdadeiramente à imagem e semelhança do Divino: centelha em nós do pensamento eterno.

Agostinho da Silva, Virá a Revolução

O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.

Agostinho da Silva, Entrevista

Mad Hatter: Angry (Feet)


Tim Minchin - Angry (Feet)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Fair is foul and foul is fair


Macbeth (Witches Opening), de Polanski, 1971

- When shall we three meet again?
In thunder, lightning, or in rain?
- When the hurlyburly's done,
When the battle's lost and won.
-That will be ere the set of sun.
- Where the place?
- Upon the heath.
- There to meet with Macbeth.
- I come, Graymalkin.
- Paddock calls.
- Anon!
- Fair is foul, and foul is fair:
Hover through the fog and filthy air.

Macbeth, Act One, Scene I

Gasta


Henri Toulouse-Lautrec, Alone



Os corações também se gastam

Pedro Paixão

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessa a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

domingo, 23 de maio de 2010

Metáfora


Arcimboldo, Flora, 1591

Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São d'ónix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto que buscava na poesia,
Na paisagem, na música,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que vejo.
E vejo lábios, olhos, dentes.

Reinaldo Ferreira, Poemas

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sheela na Gig




Sheelas na Gigs são esculturas de mulheres nuas exibindo as suas vulvas, desmesuradamente grandes. Encontram-se ,na sua maior parte, em igrejas e castelos medievais na Irlanda e Grã-Bretanha.

Consideradas como protecção contra os espíritos do mal, eram colocadas sobre portas ou janelas para proteger essas aberturas. A vulva também simbolizaria a entrada para o underworld.
Usadas juntamente com outras figuras exibicionistas e bestiais na decoração das igrejas, tinham o propósito religioso de advertir contra os pecados da carne e alertar para os castigos infernais.
A Sheela na Gig é popularmente associada a uma deusa pagã céltica, a bruxa Cailleach, figura da mitologia irlandesa e escocesa, no entanto, esta teoria é muito criticada nos círculos académicos.

Outra interpretação sugere o uso destas esculturas como figuras de fertilidade, a serem exibidas a noivas no dia do casamento ou oferecidas a mulheres em trabalho de parto.

O nome Sheela representa a feminilidade e também um tipo especial de mulher: a mulher sábia, espiritual. A origem de na Gig é mais obscura. Especula-se que significará a genitália feminina, relacionando-a com o termo irlandês jig, por sua vez derivado do francês guigue que, numa era pré-cristã, designaria uma dança orgiástica.

Em templos hindus, encontram-se, sobre as portas, figuras femininas agachadas, semelhantes a sheelas na gigs. À sua passagem, tocam-se nos seus genitais (yoni sagrado) com o propósito de obter uma benção.

A Sheela na Gig, ainda hoje, é considerada por muitos como simples pornografia dos nossos antepassados e, como tal, escondida nas arrecadações e arquivos de muitos museus.

Na minha visão pessoal, considero a Sheela na Gig como símbolo ancestral do eterno ciclo da vida, morte e renascimento, presentes no mundo natural.




Fiona Marron, Hag in the Iron Wood

About the meaning of life #3

JIG OF LIFE

Hello, old lady.
I know your face well.
I know it well.

She says,
"Ooh-na-na-na-na-na-na-na-na!
I'll be sitting in your mirror.
Now is the place where the crossroads meet.
Will you look into the future?

"Never, never say goodbye
To my part of your life.
No, no, no, no, no!
Oh, oh, oh,

"Let me live!"
She said.
"C'mon and let me live, girl!"
She said,
"C'mon and let me live, girl!"
("C'mon and let me live!")

"This moment in time,"
(She said.)
It doesn't belong to you,"
(She said,)
It belongs to me,

"And to your little boy and to your little girl,
And the one hand clapping:
Where on your palm is my little line,
When you're written in mine
As an old memory?
Ooh, na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-na-

"Never, never say goodbye
To my part of your life.
Oh no, no, no, no, no!
Never, never, never!
Never, never let me go!"

She said,
"C'mon and let me live, girl!'
("C'mon and let me live!")
She said,
"C'mon and let me live, girl!"
("C'mon and let me live!")

I put this
moment..............................................here.
I put this moment.........................here.
I put this moment--

"Over here!
"Over here!
Can't you see where memories are kept bright?
Tripping on the water like a laughing girl.
Time in her eyes is spawning past life,
One with the ocean and the woman unfurled,
Holding all the love that waits for you here.
Catch us now for I am your future.
A kiss on the wind and we'll make the land.
Come over here to where When lingers,
Waiting in this empty world,
Waiting for Then, when the lifespray cools.
For Now does ride in on the curl of the wave,
And you will dance with me in the sunlit pools.
We are of the going water and the gone.
We are of water in the holy land of water
And all that's to come runs in
With the thrust on the strand."

Ver


Edward Hopper, Morning Sun, 1952


Não vemos as coisas como são; vemo-las como somos.

Anais Nin

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sugar Wife




A mulher é uma criatura normal sobre a qual fizeste uma bonita imaginação.
Gustave Flaubert

As mulheres, durante séculos, serviram de espelho aos homens por possuírem o poder mágico e delicioso de reflectirem uma imagem do homem duas vezes maior que o natural.
Virginia Woolf

Muitas mulheres não sossegam enquanto não mudam o seu homem. E, quando o conseguem, ele perde a graça.
Marlene Dietrich

sábado, 15 de maio de 2010

About the meaning of life # 2


Tim Minchin - Some people have it worse than I

"Well I wake up in the morning at 11:47 and I can’t believe I have to face the horror of another fucking day

And the magnificent magnitude of my morning erection merely mocks me like the sun in its optimistic greeting of the day

Managing to manifest a modicum of motivation I meander to the kitchen make a mission out of mixing Nescafe

But the milk is going off and coffee by itself is bitter and there’s ants all through the sugar and the supermarket’s fucking miles away

My life is pretty sad
But I know that I should be glad.
At least I’m not a starving Ethiope
Or a policeman in Bagdad

At 11:53 I instigate the day’s ablutions in the hope my constitution can be altered by some action on the bowl

But the total non-existence of colonic animation seems to me the perfect metaphor for the utter constipation of my soul

By 11:59 I have decided that my life would be immediately improved by a carefully written list of short-term goals

But by 12.05 my list consists of 1-dot put some pants on, 2-dot go to the shop, buy some prunes and Panadol

My life is pretty shit
But I know I shouldn’t whinge about it
I could be a Palestinian
Driving buses on the Gaza strip

Yeah how bad can it be?
Some people have it worse than me
I could be a child prostitute
Or Gary Glitter’s family

I have no right to cry
Some people have it worse than I
I could be a thalidomide kid
With something in my eye

At 12:30 I realise I’m feeling so dejected that I’ve totally neglected the beginning of the Jerry Springer show

So I settle on the sofa try to focus an iota of my motor-neurones on the brilliant insights for which Jerry is known

And although on any other day a show entitled “Midgets Midget Midgets” would excite me like a virgin at her year eleven ball

Today those little jelly-wresting fellas fail to free me of my misery instead they simply serve to make me feel three foot tall

But how bad can it be?
Some people have it worse than me
I could be a Jewish stand up comedian
In Nazi Germany

Or I could be a Dockers fan
Or an orphan in Pakistan
Or the architect of the World Trade Centre
Or a bobcat driver in Bam Iran

I could be making an investigation
Of a backpack in an underground station
Or I could be a peace-loving speech-writer
In George W’s administration

Yeah I know that I don’t have the right
To be unhappy with my life
I could be Paris Hilton’s mother
Or Shane Warne’s wife

And I know that I shouldn’t be bitchin
I could be in a worse position
I could be a 3-nippled naturopath
In the days of the Spanish inquisition

I know I have no right to cry
Some people have it worse than I
I could have a serious nut allergy
And be shipwrecked on an island with a crate of Snickers bars
A jar of Nutella and a fresh baked pecan pie
Some people have it worse than I"

Mentiras Verdadeiras

Pergunto a mim mesmo como há quem possa escrever a vida dos poetas se os próprios poetas o não conseguem fazer. Existem demasiados mistérios, demasiadas mentiras verdadeiras, demasiada confusão.

Que dizer das apaixonadas amizades que é preciso confundir com o amor e que são apesar disso outra coisa, dos limites do amor e da amizade, desta zona do coração no qual sentimentos desconhecidos participam, não podendo compreender os que vivem em série?

As datas cavalgam, os anos embrulham-se. A neve funde, os pés voam; e não restam sinais.


Jean Cocteau, Ópio, diário de uma desintoxicação



Francesco del Cossa, Alegoria de Abril (detalhe), 1470

sexta-feira, 14 de maio de 2010

About the meaning of life # 1

THE PIG

In England once there lived a big
And wonderfully clever pig.
To everybody it was plain
That Piggy had a massive brain.
He worked out sums inside his head,
There was no book he hadn't read.
He knew what made an airplane fly,
He knew how engines worked and why.
He knew all this, but in the end
One question drove him round the bend:
He simply couldn't puzzle out
What LIFE was really all about.
What was the reason for his birth?
Why was he placed upon this earth?
His giant brain went round and round.
Alas, no answer could be found.
Till suddenly one wondrous night.
All in a flash he saw the light.
He jumped up like a ballet dancer
And yelled, "By gum, I've got the answer!"
"They want my bacon slice by slice
"To sell at a tremendous price!
"They want my tender juicy chops
"To put in all the butcher's shops!
"They want my pork to make a roast
"And that's the part'll cost the most!
"They want my sausages in strings!
"They even want my chitterlings!
"The butcher's shop! The carving knife!
"That is the reason for my life!"
Such thoughts as these are not designed
To give a pig great piece of mind.
Next morning, in comes Farmer Bland,
A pail of pigswill in his hand,
And piggy with a mighty roar,
Bashes the farmer to the floor…
Now comes the rather grizzly bit
So let's not make too much of it,
Except that you must understand
That Piggy did eat Farmer Bland,
He ate him up from head to toe,
Chewing the pieces nice and slow.
It took an hour to reach the feet,
Because there was so much to eat,
And when he finished, Pig, of course,
Felt absolutely no remorse.
Slowly he scratched his brainy head
And with a little smile he said,
"I had a fairly powerful hunch
"That he might have me for his lunch.
"And so, because I feared the worst,
"I thought I'd better eat him first."

Roald Dahl, The Pig

Spike Jones and The City Slickers - Der Fuehrer's Face (1942)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Salmo


Gustav Klimt, A Árvore da Vida, 1909

A vida
é o bago de uva
macerado
nos lagares do mundo
e aqui se diz
para proveito dos que vivem
que a dor
é vã
e o vinho breve.

Carlos de Oliveira, Trabalho Poético


Trois Couleurs Bleu, de Krzysztof Kieslowski, 1993

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Desconcerto


Giotto di Bondone, Os Demónios Expulsos de Arezzo (frag.),c.1926-1927

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, para mais m' espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assi que, só para mim
anda o mundo concertado.

Luís de Camões, Rimas

terça-feira, 11 de maio de 2010

The Tale

Espelho Meu, Espelho Meu...


Mirror Scare, 2010

Ópio

No ópio, é de ordem eufórica o que leva o organismo à morte. As torturas provêm dum regresso do arrepio em direcção à vida. Toda uma primavera enlouquece as veias arrastando espelhos e lavas de fogo.

Aconselho ao doente privado da droga há oito dias, a esconder a cabeça nos braços, a tapar com eles os ouvidos e a esperar. Desmoronamento, revoltas, fábricas que explodem, armadas em fuga, dilúvio, os ouvidos escutam todo o apocalipse da noite estrelada do corpo humano.

Jean Cocteau, Ópio, diário de uma desintoxicação



Leftfield - A Final Hit

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Heurtebise


Man Ray, Uma fotografia do anjo, 1925

I

Angel Heurtebise on the steps
Beats me with his wings
Of watered silk, refreshes my memory,
The rascal, motionless
And alone with me on the agate
Which breaks, ass, your supernatural
Pack-saddle.

II

Angel Heurtebise with incredible
Brutality jumps on me. Please
Don't jump so hard,
Beastly fellow, flower of tall
Stature.
You've laid me up. That's
Bad manners. I hold the ace, see?
What do you have?

III

Angel Heurtebise pushes me;
And you, Lord Jesus, mercy,
Lift me, raise me to the corner
Of your pointed knees;
Undiluted pleasure. Thumb, untie
The rope! I die.

IV

Angel Heurtebise and angel
Cegeste killed in the war-what a wondrous
Name-play
The role of scarecrows
Whose gesture no frightens
The cherries on the heavenly cherry trees
Under the church's folding door
Accustomed to the gesture yes.

V

My guardian angel, Heurtebise,
I guard you, I hit you,
I break you, I change
Your guard every hour.
On guard, summer! I challenge
You, if you're a man. Admit
Your beauty, angel of white lead,
Caught in a photograph by an
Explosion of magnesium.

Jean Cocteau, Heurtebise, 1925


Acontecia-me, quando muito intoxicado, dormir intermináveis sonos de meio-segundo. Um dia ao ir ver Picasso, à Rua La Boétie pareceu-me subir no elevador costas com costas com não sei o quê de terrível e que seria eterno. Uma voz gritou-me: "O meu nome encontra-se nessa placa". Um safanão fez com que acordasse e li sobre a placa de cobre os manípulos: ELEVADOR HEURTEBISE. Recordo-me que eu e Picasso falámos de milagres; Picasso dizia que tudo era um milagre, que era um milagre não nos derretermos no banho, como um pedaço de açúcar. Pouco depois, o anjo Heurtebise surgiu-me e comecei o poema. Na minha visita seguinte olhei para a placa. Nela havia o nome OTIS-PIFRE; o elevador havia mudado de marca.

Terminei o ANJO HEURTEBISE, poema ao mesmo tempo inspirado e formal como o jogo do xadrez, em vésperas da minha desintoxicação, na rua Chateaubriand.

Jean Cocteau, Ópio, diário de uma desintoxicação

Il ne s'agit pas de comprendre...Il s'agit de croire...

(...) Depois, chamei Heurtebise ao anjo de Orfeu. Cito a raiz do nome por causa de numerosas coincidências ainda motivadas por ele.

COINCIDÊNCIAS À RODA DE UM NOME E DUMA PEÇA

Quando Marcel Herrand quis repetir a peça na véspera do espectáculo, reunimo-nos em minha casa, na rua de Anjou. Repetíamo-la no vestíbulo e Herrand acabara de dizer: "Com estas luvas atravessareis os espelhos como se fossem água", quando um ruído medonho se fez ouvir no fundo do apartamento. Dum grande espelho existente na casa de banho, apenas restava a moldura. O espelho, pulverizado, juncava o chão.
Glenway Wescott e Monroe Wheeler, tendo vindo a Paris para a estreia de ORFEU, foram detidos a caminho do teatro, no Boulevard Raspail, por um choque: um vidro quebrado e um cavalo branco que enfiou a cabeça no automóvel.
Um ano depois, almoçava eu em casa deles em Ville-franche-sur-Mer onde partilhavam uma casa isolada, sobre a colina. Eles traduziam ORFEU e diziam-me que um vidreiro seria incompreensível na América. Opus-lhes KID, onde Chaplin representa em Nova York um papel de vidreiro:"É raro em Nova York e raro em Paris, disse-lhes eu, onde não se encontram quase nunca." Pediram-me então que lhes descrevesse um, enquanto, atravessando o jardim, me conduziam até ao gradeamento, quando ouvimos e vimos um vidreiro, que contra toda a expectativa e verosimilhança, passava na rua deserta para logo desaparecer.
É normal que, sabendo-me crente e crédulo, eu desconfie permanentemente e não dê demasiado depressa a alguns acasos, um significado de ordem sobrenatural.
Nunca se perturbar perante o mistério para que o mistério venha só e não encontre a pista enevoada pela nossa impaciência de entrar em contacto com ele. Não esquecer que as tomadas de contacto oficiais com o desconhecido, acabam sempre num negócio comercial, tal como Lourdes, ou por uma carga de polícia como Gilles de Rais.

Jean Cocteau, Ópio, diário de uma desintoxicação



Orphée - La traversée du Miroir, de Jean Cocteau,1950

sábado, 8 de maio de 2010

O Grave, where is thy Victory


Jan Toorop, O Grave, where is thy Victory, 1892

O título deste fascinante e enigmático desenho de Jan Toorop foi retirado da passagem bíblica: O Death, where is thy sting? O Grave, where is thy Victory? (Primeira Epístola aos Coríntios 15:55).

À beira de uma sepultura aberta, duas mulheres (ou dois anjos?) retiram os ramos espinhosos que enlaçam uma figura moribunda.

As figuras grotescas aos pés do morto simbolizam, segundo Toorop, as paixões terrenas que teimam em apegar-se: Inveja, Ciúme, Ressentimento, Ódio, Amor e Conflito.

Por seu turno, as duas mulheres, com as suas linhas curvas, representativas do Bem, tentam libertá-lo do sofrimento terreno, expressado pelas linhas quebradas dos espinhos.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Aparência


Jan Toorop, The prayer, 1924


Se, como o rosto, se mostrasse o coração

Ludovico Ariosto, Orlando Furioso


Ordinariamente vemos grandes resplendores onde não há luz, e grandes luzes sem nenhum resplendor

António Vieira, Sermões


Tudo o que vemos ou nos parece vermos não é mais do que um sonho dentro de outro sonho.

Edgar Allan Poe

terça-feira, 4 de maio de 2010

These Days




Nico - These Days

I've been out walking
I don't do too much talking
These days, these days.
These days I seem to think a lot
About the things that I forgot to do
And all the times I had the chance to.

I've stopped my rambling,
I don't do too much gambling
These days, these days.
These days I seem to think about
How all the changes came about my ways
And I wonder if I'll see another highway.

I had a lover,
I don't think I'll risk another
These days, these days.
And if I seem to be afraid
To live the life that I have made in song
It's just that I've been losing so long.
La la la la la, la la.

I've stopped my dreaming,
I won't do too much scheming
These days, these days.
These days I sit on corner stones
And count the time in quarter tones to ten.
Please don't confront me with my failures,
I had not forgotten them.

sábado, 1 de maio de 2010

Pavanne


"La Belle Qui Tient Ma Vie" - melodia medieval francesa.

A Viagem de Orlando


Tilda Swinton em Orlando, de Sally Potter, 1992

Orlando, uma biografia ficcionada, da autoria de Virginia Woolf, conta a história de um jovem nobre, na corte de Elizabeth I, que, cumprindo uma promessa feita à rainha, nunca envelhece. Aparentemente, Orlando é imortal atravessando vários ambientes históricos e geográficos (desde a corte isabelina até 1928, ano em que a “biógrafa” Virginia Woolf escreve o livro).

Uma obra singular, repleta de humor e poesia, Orlando é inspirado em Vita Sackville-West, a mulher que obcecou Virginia e para quem foi escrito como “uma extensa carta de amor”.

Orlando é uma personagem imaginária: revela-se um ser excepcional, puro, leal e corajoso, cheio de sabedoria acumulada durante séculos; um ideal andrógino do ser humano. Num único corpo é múltiplos indivíduos, vive inúmeras vidas subvertendo a noção de tempo. A vida de Orlando pode ser considerada uma viagem/ evolução da alma humana – sendo um texto de grande liberdade subjectiva, aberto a muitas leituras, esta é apenas a minha interpretação pessoal.

Desconfio sempre de adaptações cinematográficas de livros que me apaixonam pois receio que o encantamento seja quebrado. O filme Orlando, de Sally Potter, é uma das poucas excepções, mantendo intactos o humor e a magia do livro, mas conseguindo valer por si próprio como arte cinematográfica.

A minha cena predilecta: após um sono de sete dias, Orlando descobre que o seu corpo é, agora, o de uma mulher.

Orlando, de Sally Potter, 1992
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...